Convento e Igreja de Nossa Senhora da Graça

Convento e Igreja de Nossa Senhora da Graça

Goa [Velha Goa], Goa, Índia

Arquitetura religiosa

As ruínas do convento e da igreja da ordem dos agostinhos em Velha Goa constituem um conjunto arqueológico de grande dimensão e valor patrimonial, classificado como Património da Humanidade em 1986. Os vestígios das estruturas arquitetónicas, situados no Monte Santo da desaparecida cidade, complementados com diversas fontes documentais coevas, permitem ‑nos formar uma imagem da escala monumental e riqueza artística deste convento, comparável ao Mosteiro de São Vicente de Fora, em Lisboa. Os missionários agostinhos chegaram a Goa em 1572 e prontamente começaram a construção de uma igreja e convento iniciais, numa colina a oeste do centro da cidade de Velha Goa, mais precisamente no terreiro da Capela de Santo António. Com o desenvolvimento da missão agostinha no Oriente, estas dependências tornaram‑se pequenas e em 1597 tiveram início as obras de uma nova igreja e convento, ambos sob a invocação de Nossa Senhora da Graça. Nesta data, era arcebispo de Goa Frei Aleixo de Meneses, membro da ordem dos agostinhos, que teve um papel decisivo nas obras de reconstrução, influindo na sua concepção arquitetónica e impulsionando o respectivo estaleiro. No essencial, as obras duraram cerca de vinte anos e resultaram num dos edifícios mais célebres de Velha Goa e modelo arquitetónico para novas igrejas em território goês. Em 1602 os agostinhos iniciaram a edificação do Colégio de Nossa Senhora do Pópulo, com igreja própria, num local contíguo ao convento em construção. O colégio, do qual hoje praticamente nada resta, veio a ser ligado ao convento através de um passadiço sobre a Rua dos Judeus, cujo percurso ainda existe. O Convento de Nossa Senhora da Graça foi a casa ‑mãe da ordem agostinha no Oriente, que possuiu vinte e dois conventos ou residências, muitos dos quais tinham colégios ou seminários anexos, como foi o caso em Velha Goa. Embora a autoria deste edifício seja desconhecida, é possível associar o nome do arquiteto Júlio Simão e dos mestres pedreiros Manuel Coelho e João Teixeira à obra da Igreja de Nossa Senhora da Graça. Por outro lado, a igreja jesuíta do Bom Jesus em Velha Goa, iniciada três anos antes (1594), influenciou a composição espacial e da fachada da igreja agostinha. É igualmente verosímil que Frei Aleixo de Meneses tenha trazido consigo, em 1596, informações sobre a nova igreja e mosteiro de São Vicente de Fora que à data se edificavam em Lisboa. Assim se explicaria a génese da primeira grande novidade que Nossa Senhora da Graça introduziu em Goa, de forma muito semelhante à sua congénere em Portugal: a generalização das fachadas ladeadas por duas torres. Esta era até então uma feição arquitetónica praticamente exclusiva das igrejas episcopais, que se ensaiava pela primeira vez no Oriente com a edificação da nova Sé de Goa. Contudo, as obras da Sé, iniciadas trinta e cinco anos antes da igreja dos agostinhos, corriam muito devagar e a sua fachada principal viria a ficar pronta anos depois de as torres agostinhas dominarem o Monte Santo e a paisagem urbana de Velha Goa. A segunda grande novidade consistiu na abóbada de berço, que cobria a nave única desde a face interior da fachada principal até ao arco triunfal. Esta solução foi considerada na época um feito técnico notável, especialmente dada a tendência para problemas estruturais nas grandes edificações feitas pelos portugueses em Goa. Nossa Senhora da Graça seguia assim o tipo de igreja de nave única introduzido em Goa pelo Bom Jesus, com espaços adossados de planta retangular. No caso da igreja agostinha, estes consistiam não só na capela‑mor e nos dois grandes compartimentos de um e outro lado desta (em substituição dos braços de um transepto), mas também nas capelas laterais. A igreja aproximava ‑se assim ainda mais do modelo deste tipo de configuração espacial, o Espírito Santo de Évora, por sua vez descendente de São Francisco da mesma cidade. A terceira grande inovação consistiu no amplo camarim do retábulo do altar‑mor, que aparecia pela primeira vez em Goa, e onde se expunha um elaborado tabernáculo, iluminado por aberturas na parede extrema da cabeceira. Exteriormente a igreja apresentava as características, entretanto usuais, da arquitetura religiosa cristã de Goa, como mostra uma fotografia histórica de D’Souza e Paul: a articulação em grelha, enquadrando aberturas distribuídas individualmente pelos panos; o contraste entre esta articulação mais grosseira e a configuração arquitetónica erudita de portais, janelas e edícula; os três portais no piso térreo, dos quais o central remete para o Arco de Triunfo de Pula (> Igreja de São Paulo); o piso extra para os olhos ‑de ‑boi; e o pano central superior como forma de remate da fachada ‑empena. Por todas estas razões, a Igreja de Nossa Senhora da Graça - ou o que conhecemos dela - aparenta ter sido o exemplo mais perfeito e completo do arquétipo arquitetónico que está subjacente à arquitetura religiosa cristã de Goa de influência portuguesa construída durante os dois séculos seguintes. Como em outras igrejas de Goa, o interior de Nossa Senhora da Graça ostentava retábulos em talha dourada, telas e esculturas, paredes com relevos pintadas e azulejos - elemento decorativo que parece ter sido difundido em Goa a partir das edificações religiosas dos agostinhos. Todo este aparato convergia para o grande retábulo da capela ‑mor, que compreendia oito esculturas em redor da abertura do camarim, onde se guardava a hóstia sagrada dentro de um pavilhão em filigrana, por sua vez inserido num tabernáculo em madeira dourada. O convento dos agostinhos situava ‑se a sul do corpo da igreja, estruturado em redor de dois claustros - separados pela sala do capítulo - e ainda de um pequeno pátio. Atualmente, subsistem as ruínas do piso térreo do convento e ainda fragmentos do segundo piso. O claustro mais próximo da igreja, designado superior, é ligeiramente menor que o claustro inferior ou do noviciado. Distribuídos por três pisos, os compartimentos do convento continham quatro capelas, celas para noviços e frades, uma biblioteca, dois refeitórios, uma cozinha, uma enfermaria, uma botica, um locutório, a sala do capítulo, a sala do capítulo provincial e a sacristia da igreja, entre outras dependências de apoio e zonas de acessos. Imediatamente a poente do edifício situavam ‑se caboucos de laterite, fornos para fabricar cal e outras infraestruturas de apoio ao convento. De igual modo, no extremo sul do conjunto localizava ‑se um pátio de serviço com várias dependências relacionadas com a manutenção e abastecimento do convento. Era neste local que existia o referido passadiço elevado que conduzia ao Colégio de Nossa Senhora do Pópulo. Para o lado norte começava a cerca do convento, com seus pomares e poços. Para além da arquitetura, este sumptuoso convento continha também um notável acervo, inventariado aquando do seu encerramento, em 1835. Entre os objetos mais carismáticos contava ‑se uma imagem de Nossa Senhora das Neves, proveniente do Ceilão e hoje venerada na Igreja de São Pedro, em Panelim (> Igreja de São Pedro). De salientar ainda as seis urnas para conter relíquias depositadas na capela do capítulo, que funcionava também como panteão da Congregação Oriental da ordem. Escavações arqueológicas no local, a partir de 1990 tuteladas pelo Archaeological Survey of India, revelaram as ruínas do convento e continuam, hoje em dia, a ser alvo de um extenso trabalho arqueológico

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