Convento de São Francisco e Igreja do Espírito Santo
Goa [Velha Goa], Goa, Índia
Arquitetura religiosa
O antigo Convento de São Francisco e a respectiva Igreja do Espírito Santo (frequente, mas erradamente denominada de São Francisco) em Velha Goa constituíam a casa ‑mãe da Ordem de São Francisco no Oriente, a mais antiga estrutura conventual fundada sob domínio português em Velha Goa. O conjunto testemunha a importância desta ordem que, a partir do século XVI, partilhou com os jesuítas e os dominicanos o território de Goa para missionação cristã. A obra arrancou em 1520, uma década após a chegada dos primeiros franciscanos à futura capital portuguesa no Oriente em 1510. A iniciativa da construção foi do franciscano Frei António do Louro (ou Padrão). Segundo Frei Paulo da Trindade, em 1518 tinham vindo oficiais do reino para executar a obra, que foi financiada pela Fazenda Real. Embora não seja conhecido o autor do projeto, as circunstâncias sugerem a possibilidade de o mesmo ter sido realizado em Portugal. Através dos documentos publicados por António Silva Rego conhecemos alguns dos nomes de mestres que trabalharam na obra em Velha Goa: Leonardo Vaz, mestre das obras reais na Índia entre 1525 e 1527, e João de la Ponte, assim como os canteiros João Fernandes e Bastiam (Sebastião) Pires. As obras estenderam ‑se pelo menos pela década de 20 do século XVI. A época de edificação e a menção de "boratéus" num recibo de 1527 sugerem uma construção ao modo gótico ou, mais provavelmente, manuelino. O convento franciscano, talvez por ser o primeiro em Velha Goa, foi a mais central das casas religiosas na desaparecida cidade. Ergue ‑se na colina principal sobranceira ao Rio Mandovi, paredes‑meias com o Palácio dos Arcebispos e muito próximo da Sé (inicialmente a única matriz da cidade), mas igualmente próximo do primeiro Palácio dos Vice‑Reis, antes de estes se mudarem para o Palácio da Fortaleza (1554). Em 1661 a igreja sofreu alterações de fundo, permanecendo visível da estrutura original apenas o portal principal manuelino. Apesar de as fontes mencionarem a demolição da igreja e a sua total reconstrução, existem, para além do portal, fortes indícios de que o atual edifício coincide grandemente com a estrutura original: o nártex da igreja, de planta quadrada, considerado por José Manuel Fernandes demasiado profundo para tal e assim identificado como um vestígio de um átrio manuelino; a coincidência das dimensões das capelas laterais no corpo da igreja de 1520, mencionadas numa carta de Frei António do Louro, com as atuais capelas do século XVII; a existência de pedras tumulares muito anteriores a 1661 (a mais antiga é de 1529) no pavimento da nave; a localização da única torre sineira junto à sacristia - característica da arquitetura religiosa dos séculos XV e XVI, substituída no século XVI pela fachada de duas torres por influência da Igreja de Nossa Senhora da Graça, a que aliás as duas torres octogonais falsas na fachada do Espírito Santo fazem referência. Algo semelhante terá acontecido com o claustro, que foi reconstruído em 1707 (ficando a galeria superior aparentemente inacabada), mas apresenta uma porta de lintel manuelino na sua parede oriental. A confirmar ‑se esta hipótese, o atual convento seria, pelo menos em planta, muito mais um edifício do século XVI do que do século XVII. No caso de a igreja original coincidir em organização espacial com o templo atual, isso significa que já na primeira metade do século XVI existiu em Goa um espaço religioso influenciado pela Igreja de São Francisco de Évora, que foi o modelo ancestral das igrejas de uma só nave que se generalizaram a partir do final desse século. Hoje o Convento de São Francisco funciona como sede e museu do Archaeological Survey of India em Velha Goa. De destacar são a Galeria dos Vice‑Reis no primeiro piso da ala oriental, onde estão expostos os retratos dos governadores e vice‑reis da Índia, transferidos após a anexação de Goa do Palácio dos Governadores em Pangim para este local, e o Museu Lapidar a céu aberto em frente ao convento, onde têm sido depositados vestígios arquitetónicos de ruínas de Velha Goa. Comparando o edificado atual com as plantas de reconstrução pombalina da década de 1770, constata‑se que o Convento de São Francisco ainda conserva grande parte da volumetria que existia durante o século XVIII. A ala principal do convento, de dois pisos, desenvolve ‑se no sentido este ‑oeste, tal como a igreja, que se encosta pelo lado sul a esta extensa ala e cuja fachada está voltada a poente. O claustro principal desenvolve‑ ‑se a partir desta ala, a norte da igreja. A galeria térrea, com arcos de volta inteira articulados por pilastras toscanas, insere ‑se no tipo comum de galerias de claustros goeses, de influência arbertiana (> Igreja e Casa Professa do Bom Jesus). Ainda para o lado norte estende ‑se uma ala adicional, que se encosta ao lado poente do Palácio do Arcebispos. Do extremo norte desta ala arrancava outrora mais uma ala em direção a poente, acompanhando o percurso de uma rua no sopé da colina, também ela desaparecida. A Igreja do Espírito Santo tem uma só nave (o espaço principal e de maiores dimensões), para onde se abrem três pares de capelas laterais encimadas por tribunas, braços de um falso transepto à maneira de São Francisco de Évora, e a capela ‑mor, um pouco mais estreita que a nave. Todo o espaço da igreja encontra ‑se coberto por abóbadas de arestas com caixotões, abrindo‑se janelas nas paredes laterais e na fachada janelas a este nível. O retábulo do altar ‑mor está configurado segundo um motivo de arco de triunfo de influência serliana, ficando o arco propriamente dito vazado, aberto para o camarim - elemento tipológico introduzido em Goa através do altar ‑mor da igreja do convento agostinho de Nossa Senhora da Graça. As pinturas sobre tela na capela‑mor, a configuração cromática dos elementos de articulação no interior da igreja, os altares a ângulo entre os braços do falso transepto e a capela ‑mor, o púlpito e o cadeiral em talha no coro alto acentuam a monumentalidade deste exuberante espaço religioso. A igreja, enquanto espaço público do antigo Convento de São Francisco, revela o papel determinante que os franciscanos tiveram na missionação cristã em Goa. Surpreende, por um lado, o investimento na sua riqueza decorativa, uma vez que a atual igreja foi edificada num período em que o Estado da Índia se encontrava em franca implosão, mas possivelmente representa uma demonstração da vitalidade da presença dos franciscanos em Goa através de uma das igrejas artisticamente mais eloquentes da antiga capital do Estado da Índia.