Fortaleza de São Sebastião

Fortaleza de São Sebastião

Ilha de Moçambique, Nampula, Moçambique

Arquitetura militar

Desde muito cedo, a Ilha de Moçambique transformar-se-ia num ponto estratégico fulcral para a Carreira da Índia, providenciando apoio à navegação. As suas condições naturais permitiam uma ancoragem segura, inclusivamente, durante o período de monção, e ofereciam a escala necessária para o reagrupamento, reabastecimento e eventual reparação dos navios. Por outro lado, a instalação dos portugueses na ilha decorreu, igualmente, da ambição suscitada pelo ouro da região do Monomotapa.

Em 1507-1508, por iniciativa régia, efetuou-se o primeiro ensaio de construção de uma estrutura defensiva, erguida perto da primitiva feitoria. Designada por Fortaleza de São Gabriel, localizava-se na costa ocidental da ilha, perto do atual museu que funciona no antigo Palácio do Governador, compreendendo, de acordo com José Manuel Garcia, um perímetro muralhado de planta quadrangular, com torres nos vértices, e uma torre de três andares, ao centro. Foi, durante cerca de cinco décadas, a única estrutura fortificada na ilha, à exceção da couraça erguida em redor da Capela de Nossa Senhora do Baluarte, edificada em 1522 no extremo nordeste da ilha, ainda antes da fundação da Fortaleza de São Sebastião.

Depois de terem sido emitidos alguns alertas para a necessidade de reforçar o sistema defensivo, como aquele realizado por João Sepúlveda, capitão de Sofala, em 1542, o governador João de Castro, desempenharia um papel decisivo, aquando da escala da sua armada no local.

Em carta enviada a D. João III, no ano de 1545, alertava para o fato de a fortaleza se encontrar implantada no “mais roym sytio de toda a ilha”, urgindo fundar uma nova estrutura noutro lugar antes que a ilha sofresse um ataque anfíbio otomano. O novo dispositivo deveria situar-se na  “na pomta da ilha que esta na emtrada do porto, a quoal pomta he tam forte de natureza que com muy pouqua despesa se fara nella huma força enespunhavel”, perto da Capela de Nossa Senhora do Baluarte, recomendando ainda que as muralhas e os baluartes se dispusessem de modo a permitir o fogo cruzado. Efetivamente, João de Castro já esboçava uma visão de um projeto, riscado num debuxo que D. João III apreciou, enquadrado pela nova tecnologia da pirobalística, desenvolvida na Península Itálica, modelo defensivo ensaiado, entretanto, nas Fortalezas de Mazagão (1541) e de Ceuta (1541-1544).

Respondendo aos apelos do governador, D. João III faz-lhe chegar, no ano seguinte, um debuxo feito pelo experiente Miguel de Arruda. O desenho seguiu na armada onde ia o mestre-pedreiro Francisco Pires, encarregue de dirigir a obra. Como sabemos, Pires nunca chegou a visitar a ilha de Moçambique, visto que a armada seguiu, por fora da ilha de Madagáscar, diretamente para Cochim. Desse porto, prosseguiu para Diu, a tempo de presenciar a vitória dos portugueses no segundo cerco, vindo a desempenhar um papel fundamental nos trabalhos de reedificação da Fortaleza de S. Tomé, onde se ergueu o primeiro flanco abaluartado do Oriente.

Ficaria assim adiado o projeto para a ilha de Moçambique, até 1558, data em que o novo vice-rei, Constantino de Bragança, acostou no local, a caminho de Goa, para fundar, finalmente, a Fortaleza de São Sebastião. Na mesma armada seguia um engenheiro, cuja identidade permanece por identificar, envolvido na fase inicial da construção e, que terá, muito provavelmente, sido responsável pelo desenho inicial da fortaleza abaluartada de Damão. Ainda que, segundo Nuno Gonçalves, a preparação dos alicerces e dos materiais da empreitada se tenha iniciado alguns anos antes, coube a Constantino de Bragança lançar a pedra fundacional da fortaleza, dedicada ao santo e príncipe, nascido quatro anos antes. O estaleiro das obras prolongou-se durante largos anos: se, em 1573, um jesuíta alegava que a fortificação estava muito boa e fortissima, segundo Diogo de Couto, em relato de 1582, estava ainda imperfeita. Contudo, uma inscrição epigráfica atesta a conclusão das obras essenciais, em 1583, sob a responsabilidade do capitão Nuno Velho Pereira que havia povoado a fortaleza. E apesar de João Baptista Cairato, engenheiro-mor milanês, ter estado na ilha, nesse mesmo ano, e efetuado o levantamento da fortificação - conhecido através de uma planta da autoria de Manuel Godinho de Erédia -, não há referência a qualquer intervenção do italiano nas obras que então se ultimavam. 

No início do século XVII, o perigo de ataques holandeses suscita grandes preocupações com a fortaleza, tendo constituído um incentivo, suficientemente forte, para se dar por terminada a campanha de obras, mesmo a tempo do cerco neerlandês de 1607. A posição resistiu ao assédio mas sofreu danos consideráveis no seu flanco sul, conduzindo à provável reconfiguração do baluarte de São Gabriel. Ainda estão por identificar a existência de obras de vulto durante o século XVII, à exceção das intervenções nas estruturas de armazenamento de pólvora e à fundação da Igreja de São Sebastião, dentro do recinto fortificado. Em meados do século XVIII, com o surgimento da ameaça omanita, realizaram-se campanhas mais incisivas que levaram, inclusivamente, à alteração do desenho de baluartes e cortinas, nomeadamente, no baluarte de São Gabriel e, muito provavelmente, no de Santa Bárbara (também conhecido como de Santo António). Já no início do século XX, procedeu-se à reconstrução do baluarte de Nossa Senhora, em virtude da explosão de um paiol. A fortaleza de São Sebastião foi alvo de recentes obras de restauro, entre 2008 e 2011.

A fortaleza apresenta uma planta aproximadamente retangular, embora não existam ângulos retos nos seus vértices. As cortinas dispostas nos flancos sul, oeste e nordeste contém ligeiras inflexões que seguem o recorte rochoso da costa. No flanco oeste abre-se a porta de mar, enquanto a sul se rasga a porta de terra. A igreja de São Sebastião fica implantada na zona noroeste do recinto, junto ao baluarte de São João, onde também permanece a estrutura da cisterna pequena, sendo que maior fica entre os baluartes de Santa Bárbara e de Nossa Senhora. Defronte do baluarte de Nossa Senhora, subsistem a couraça quinhentista bem com a capela com a mesma invocação, anteriormente referidas. Não sendo a primeira experiência abaluartada do espaço do Índico, a fortaleza de São Sebastião constitui um exemplo de fortificação moderna de valor patrimonial inegável, estando classificada, pela UNESCO, como Património da Humanidade. A confirmar-se a execução da traça original de Miguel de Arruda, de 1545-1546, este dispositivo defensivo constitui, conjuntamente com Ceuta, Mazagão e Diu, um campo pioneiro da arquitetura militar portuguesa no mundo. 

Sidh Mendiratta & Roger Lee de Jesus

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