Paço Episcopal e Capela
Quelimane, Zambézia, Moçambique
Habitação
João Garizo do Carmo (1917-1974), nascido na Beira, em Moçambique, iniciou o curso de Arquitectura na Escola Superior de Belas Artes do Porto (1942-1949) e terminou-o em 1951 na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Tal como tantos outros arquitectos formados nesta época em Portugal, João Garizo do Carmo regressou a terras moçambicanas em 1952. A qualidade plástica das suas obras é consequência da exploração das possibilidades construtivas do betão armado aliada à procura de soluções de projecto adaptadas ao clima tropical.
O Paço Episcopal constitui uma obra de referência, projectada em 1956, na sequência da criação da diocese de Quelimane em 1954, e devedora da acção do primeiro bispo, D. Francisco Nunes Teixeira (1955-1975).
Implantado num amplo lote com frente para as avenidas Mao Tse Tung e Francisco Manyanga situa-se junto ao largo onde foi erguida posteriormente a Biblioteca Municipal (1969), obra do arquitecto José Bernardino Ramalhete (1921-), numa zona de expansão habitacional da cidade, caracterizada por uma malha regular dividida em pequenos lotes ocupados por habitação unifamiliar.
João Garizo do Carmo reconhece que a implantação seguindo a “boa orientação” constituiu a preocupação dominante do projecto procurando beneficiar do quadrante nascente e dos ventos dominantes. Assim, a frente principal do conjunto é virada a Sudeste e o conjunto edificado é organizado a partir da criação de dois claustros que para além de assegurarem a perfeita divisão dos espaços necessários a uma missão religiosa, como se de um pequeno convento se tratasse com a separação das áreas de contacto com o público das zonas reservadas de clausura, funcionam como zonas de fresco e de circulação do ar. O quadrante norte é evitado e a zona poente é protegida pelos claustros ajardinados e respectivas galerias que funcionam como “verdadeiros pulmões de ventilação”.
A frente principal, afastada e protegida do arruamento por um jardim, é constituída por um volume longo que abriga os espaços principais ao nível térreo e os quartos no piso superior. Os espaços do piso térreo são recuados e protegidos por um plano ondulado em betão que atravessa todo o volume à cota da laje do primeiro piso, sobre a qual surge o volume saliente das varandas, correspondentes às celas individuais do 1º piso, desenhado por uma modulação precisa entre painéis rendilhados de combogó e as aberturas. Cumpre-se o objectivo de evitar a incidência luz directa nas salas a nascente, criando-se ao nível térreo uma galeria de circulação exterior com múltiplas abóbadas ritmadas, e à cota do primeiro piso uma segunda pele do edifício com uma grelha modular de betão, favorecendo o sombreamento e a ventilação natural, resultando assim um tridimensional efeito plástico de luz e sombra.
A entrada localizada ao centro deste corpo, funciona simultaneamente como nó de distribuição e segregação entre espaços acessíveis e reservados ao público. Para trás, um corpo perpendicular, situado a eixo da entrada, separa os dois claustros integrando o refeitório de um dos lados e a rampa do outro, permitindo o acesso ao piso dos quartos através da galeria de distribuição virada para o claustro e protegida de poente por brise-soleil. Devido ao baixo ângulo de incidência, esta cortina feita de quebra-luz é constituída por lâminas verticais orientáveis permitindo o escurecimento da galeria de circulação que dá acesso directo aos quartos.
No piso térreo o sombreamento em volta dos pátios é conseguido através do recuo da fachada, a oeste, e da construção de palas de betão nas restantes fachadas. Os mecanismos de sombreamento compreendem grelhas e lâminas, espaços de galeria, varandas e pátios interiores, promovendo a ventilação, pois todas as divisões recebem correntes de ar natural directamente do exterior.
Na frente Sul dispõe-se em volume assumidamente saliente, a Capela, concebida como um corpo único envolvido pelas galerias do claustro sul. A planta em leque corresponde uma cobertura articulada a partir de cinco abóbadas de berço lançadas transversalmente. A fachada da entrada principal da capela, virada a Avenida Mao Tse Tung por onde se efectua a entrada do público, é elevada acima da cota da flecha das abobadas, conferindo uma monumentalidade simbólica ao corpo da capela, apesar das suas reduzidas dimensões. Esta expressão monumental é protagonizada pelo plano de parede, perpendicular a fachada, que funciona como uma pele saliente recriando modernamente o espaço tradicional de “adro”. Este plano membrana retoma em balanço o desenho de três arcos que servem de suspensão à escultura em ferro forjado de Cristo na Cruz, da autoria de Jorge Garizo do Carmo (1927-1997), irmão do arquitecto. No interior, a poesia da luz funciona como material principal, criando um ambiente de espiritualidade feito de luz e cor com trepidações várias resultantes da diversidade de aberturas. O tratamento volumétrico e o desenho das fachadas, com geométricas aberturas, conferem cor, luz e textura ao interior da capela.
Em 1957, dois anos depois do projecto da Igreja da Manga, erguida na Beira, João Garizo do Carmo volta a explorar na concepção da Capela do Paço Episcopal, o sistema de cobertura abobadada e um expressionismo simbólico de grande plasticidade que se enquadra nas pesquisas epocais focadas nos espaços religiosos que têm na igreja de São Francisco da Pampulha (1943) de Óscar Niemeyer (1907-2012), ou nas igrejas mexicanas de Félix Candela (1910-1997) um ponto de charneira paradigmático.
Como o autor reconhece a “concepção arquitectónica do conjunto baseia-se nos contrastes dos volumes que a sua orgânica interna reflecte no exterior (...). O equilíbrio das proporções, os contrastes dos volumes, dos vazios e dos cheios e a diversidade de materiais e cores foram os elementos básicos para a obtenção dum partido estético da nossa época”.
Original de Ana Tostões e Catarina Delgado.
(FCT: PTDC/AUR-AQI/103229/2008)
Adaptação de Ana Tostões e Daniela Arnaut.