
Blocos Residenciais da Precol Unidade de Vizinhança n.º 1 (Bairro Prenda)
Luanda [São Paulo de Luanda], Luanda, Angola
Habitação
A Unidade de Vizinhança do bairro Prenda (1963-1965) é uma obra reveladora das influências directas de Le Corbusier a três escalas diferentes: do urbanismo, do bloco de habitação colectiva e da habitação unifamiliar.
Após o estágio realizado em França com Le Corbusier e A. Wogenscky, Fernão Simões de Carvalho (1929) regressa à cidade natal, ainda em 1959, integrando a Câmara Municipal como arquitecto e urbanista. Em 1961, lidera uma equipa multidisciplinar no Gabinete de Urbanização da Câmara Municipal composta por engenheiros, desenhadores, maquetistas, administrativos, um topógrafo e um pintor, com quem irá partilhar o conhecimento dos princípios modernos adquiridos com Le Corbusier, nas palavras de Fernão Simões de Carvalho este gabinete será “uma verdadeira escola de urbanismo”. No desenvolvimento dos trabalhos realizados fará a síntese dos conceitos: de Robert Auzelle (crítico da Carta de Atenas que propõe a integração dos factores socio-económicos no urbanismo), com quem estuda no Instituto de Urbanismo de Sorbonne; das ideias de Le Corbusier, das experiências de construção e plasticidade do béton brut, e da aplicação do sistema Modulor que conhecia bem devido ao acompanhamento do projecto e construção da Unidade de Habitação de Berlim e do Conveto de La Tourette.
Em Luanda, Simões de Carvalho vai trabalhar no contexto de expansão demográfica da cidade, a que se assistia desde o início da década de 50, e que resulta do impulso económico proporcionado pelo comércio do café e do "II Plano de Fomento", tendo como objectivo colmatar a carência de habitação da cidade e conduzir a sua expansão, que se desenvolvia rapidamente e de uma maneira informal, habitada por nativos, e por europeus e outros africanos que escapando ao controlo fiscal ali estabeleciam os seus negócios.
Deste modo, desenvolve diversos planos de urbanização, como o Plano de Urbanização do Futungo de Belas (1960-1962), o Plano Director de Luanda (1961-1962) e diversos planos parciais, tais como o plano de pormenor para a área da Mutamba, zona turística da Ilha de Luanda, e os planos para as Unidades de Vizinhança.
No Plano Directorde Luanda (1961-1962) define uma hierarquia viária, criando uma lógica para os grandes eixos viários e outra para pequenos percursos. Não deveria existir zonamento por funções como tinha sido anteriormente defendido, mas sim um sistema de unidades de vizinhança em que a função de habitar era agrupada com as funções de trabalho, o equipamento, o indústria e serviços. De acordo com os princípios da Carta de Atenas, este projecto de construção da cidade não deveria ser aplicado apenas a novas áreas, mas também transformar a zona da Baixa, onde já existiam problemas de circulação que seriam resolvidos através da execução de um plano viário constituído por dois grandes eixos de penetração, um no sentido norte-sul e outro este-oeste, ligando o centro da cidade ao interior de Angola, atravessando quatro vias de cintura. No cruzamento dos grandes nós-viários e antes de entrar na Baixa estavam previstos três grandes parques de estacionamento em altura.
Este plano não foi realizado, mas foi o ponto de partida para a implementação dos eixos estruturantes da cidade e para a realização de planos para três unidades de vizinhança no “musseque” Prenda, duas das quais são concretizadas.
Fernão Simões de Carvalho realiza com a colaboração de Luiz Taquelim da Cruz o plano de pormenor para a Unidade de Vizinhança nº1, elaborado entre 1963 e 1965. Organizado de acordo com sistema das "7V" (Sistema de hierarquização de tráfego proposto por Le Corbusier e desenvolvido por Maxwell Fry e Jane Drew para Chandigarh, denominado “Les Sept Vois de Circulation” ou 7V) proposto por Le Corbusier, conjuga os ensinamentos de Robert Auzelle na definição de diferentes tipologias destinadas a diferentes grupos sociais e étnicos.
Esta Unidade de Vizinhança implanta-se numa área de aproximadamente 30 hectares e é constituída por 22 edifícios residenciais. A integração de vários grupos sociais é possibilitada através da definição de diferentes tipos de edifícios de habitação bem como alguns equipamentos, designadamente cinema e centros comerciais. Esta Unidade é composta por uma rua comercial tortuosa, onde os automóveis circulam lentamente (V4) e por outra via também sinuosa de acesso às habitações (V5). Entre estas duas vias estavam previstos grande parte dos equipamentos que nunca foram construídos. Os impasses (V6) são projectados para acesso a habitação unifamiliar e para a habitação em banda, existindo pequenas praças.
Os blocos de apartamentos T1 e torres de escritórios estão concentrados na rua comercial. A unidade é delimitada por vias V3. A hierarquia de circulações, afastando o trânsito rápido dos percursos pedonais, juntamente com os espaços vazios criados pelos edifícios assentes em pilotis, deveria favorecer o encontro da comunidade e promover relações de vizinhança de modo a estabelecer laços de confiança entre mais e menos favorecidos. A densidade e proporção de população “indígena” e europeia estabelecida deveria ser de 1/3 e 2/3, respectivamente, com 1.150 habitações planeadas. O arquitecto esperava que, com o tempo, esta proporção se fosse invertendo, contribuindo para a sociedade multirracial que planeava.
Na verdade, pode-se afirmar que Fernão Simões de Carvalho valorizou os aspectos socio-vivenciais em detrimento das questões climáticas, ou mesmo higienistas, que dominavam o planeamento nas colonias africanas.
De qualquer modo o factor climático não foi completamente desprezado uma vez que foi adoptada, na escala da arquitectura, a solução em semi-duplex, que o arquitecto considera uma óptima solução para climas tropicais, pois facilitam uma boa ventilação transversal e nenhum dos blocos está implantado paralelamente às direcções predominantes do vento em Luanda (oeste-sudoeste: todo o ano / oeste-sudoeste e sul-sudoeste: de abril a junho). O único sombreamento previsto era o das venezianas exteriores. De facto, o projecto dos blocos residenciais da Unidade nº 1 “musseque” Prenda constituiu uma oportunidade de fazer a síntese entre arquitectura e urbanismo, uma vez que em colaboração com os arquitectos José Pinto da Cunha (1921-1985) e Fernando Alfredo Pereira (1927-), Fernão Simões de Carvalho aceita a encomenda, sob iniciativa da CML, da Precol. Os blocos diferenciam-se pela altura e por tipologia – 12 pisos (tipo A, a oeste), 7 pisos (tipo B1, a norte e tipo D1 a sul), 6 pisos (tipo D2, a sul) e 16 pisos (a oeste e sudeste) – sendo em todos de salientar uma solução formal constante: sob pilotis (hoje os espaços térreos foram sucessivamente encerrados) e galerias horizontal de circulação permitindo a exploração de módulos habitacionais de um só piso e uma só frente bem como de fogos desenvolvidos em duplex ou em meios pisos. Dos 28 blocos projectados são realizados 22.
Actualmente, a Unidade de Vizinhança Prenda foi muito alterada e o “musseque”invadiu todos os espaços livres, incluindo a parte inferior dos blocos de habitação. Foram construídas paredes entre os pilotis, de modo a ocupar também o piso térreo. No entanto, o conjunto destaca-se no skyline e na planta da cidade.
Um sopro de cidade moderna, uma ilha isolada onde se tentou fazer vingar os princípios da
Carta de Atenas, numa época em que se acreditava poder regrar o latente crescimento da cidade, integrar e mesclar as populações, criando condições de vida aprazíveis para todos.
Original de Ana Tostões
(FCT: PTDC/AUR-AQI/103229/2008)
Adaptação de Ana Tostões e Daniela Arnaut.