
Fortim de Santo António
Simar (Simbor), Guzerate, Índia
Arquitetura militar
As ruínas do fortim de Santo António de Simbor situadam-se a aproximadamente 17 km a nordeste de Diu sobre um ilhéu na embocadura do ribeiro Sahil, designado por rio Vançoso nas fontes portuguesas. A ocupação, em 1722, do porto de Simbor incluiu, além do ilhéu com o pequeno forte (designado localmente por Pani-Kota, ou forte do mar), um território costeiro e adjacente ao porto.
Poucos anos antes de 1722, o corsário sanganiano Ramogi Varer havia erguido uma pequena posição fortificada em Simbor, a partir de onde as suas embarcações represavam barcos que comerciavam em Diu e nos portos da Província do Norte. Os sanganianos eram conhecidos, na zona do Golfo de Cambaia, pelas suas atividades predatórias, especialmente a partir da segunda metade de seiscentos, tendo a sua base principal no porto de Bet-Dvarka, a aproximadamente 270 km a oeste de Diu. A 25 de Maio de 1722, o castelão de Diu, Luís de Melo Pereira, ordenou uma expedição ao local que logrou incendiar as embarcações do corsário e tomar de assalto a posição.
Luís de Melo Pereira empenhou-se, prontamente, na guarnição e consolidação da posição defensiva, rebatizada de Santo António de Simbor. Para esse efeito, destacou para o local um corpo de 30 homens e deu início à construção de uma cisterna uma vez que o abastecimento de água constituía uma preocupação essencial para a defesa adequada da posição. Simultaneamente, procurou submeter à soberania portuguesa a importante aldeia de Simbor (Simar), localizada a 2,4 km a norte da fortificação, estimando-se que as rendas provenientes da povoação seriam suficientes para sustentar a guarnição do fortim. Contudo, a ansiada incorporação apenas teve efeito entre os anos de 1724 e 1728, vindo a ficar sob o domínio dos sidis de Danda-rajapur, mediante a celebração de um tratado com os portugueses que pretendiam impedir a construção de uma fortificação sidi em Madrasaval (Jaffrabad).
Apesar da conquista da posição ter sido, inicialmente, bem recebida em Goa pelo vice-rei Francisco de Sampaio e Castro, tendo este enviado uma planta da fortificação para a corte portuguesa conjuntamente com a notícia da conquista, o conselho de governadores que lhe sucedeu pretendeu demolir o fortim de Santo António no sentido de evitar despesas com a manutenção de mais uma fortificação. Com efeito, Luís de Melo Pereira foi incumbido de averiguar quais os benefícios advindos da sua destruição, tendo-lhe sido recomendado entupir a foz do rio Vançoso com os materiais da própria estrutura para impedir que servisse de receptáculo aos barcos sanganianos.
No entanto a execução do alvará régio de abril de 1726, que ordenava a sua demolição, foi protelada pelo vice-rei João Saldanha da Gama. Foi novamente ordenada a sua demolição pelo vice-rei Pedro de Mascarenhas em 1732, ordem mais uma vez adiada. No ano seguinte, o mesmo vice-rei incumbiu o militar André Ribeiro, pessoa intelligente em fortificaçoens, de visitar Simbor para que procedesse ao conserto que a fortificação exigisse. As obras foram realizadas entre 1735 e 1737, durante o triénio do barão Frank von Gallenfelds em Diu. Cerca de meio século mais tarde, em 1780, um ataque do régulo Langagi ou Nagogy resultou na morte da maior parte da guarnição de Simbor. Não obstante, os portugueses retomaram a sua posição, embora tivessem perdido definitivamente a aldeia de Simbor, na sequência da fundação do estado de Junaghad.
Os terrenos adjacentes ao porto de Simbor (com vagos limites iniciais), que obrigavam o atravessamento por território estrangeiro, incluiam inicialmente na sua jurisdição o poço de Dan-Kui, aberto devido à escassez de água no Guzerate. Apesar das obras efetuadas na década de 1730, um documento no qual se orçamentavam trabalhos de reparação, datado de 1840, dá conta do estado ruinoso em que se encontrava a fortaleza. Em 1857, a nova reconstrução do quase abandonado forte por iniciativa do Governador de Diu foi contestada pelo estado de Junaghad, bem como a posse dos terrrenos fronteiros ao ilhéu e vedado o acesso ao poço.
Era então Governador Geral o Visconde de Torres Novas que, com o secretário do Estado da Índia, Joaquim Da Cunha Rivara, entrou em conversações com o governo de Bombaim respeitantes aos limites dos enclaves de Simbor e Gogolá em Diu, e aos de Dadrá e Nagar Aveli, estes que se pretendiam trocar por aldeias contíguas a Damão. Um dos resultados destas conversações foi o tratado efectuado com o estado de Junaghad, assinado por Cunha Rivara, representando Portugal, em 1859.
O tratado reduziu, além dos da aldeia de Gogolá em Diu, os limites territoriais de Simbor: diminuiu o território adjacente à povoação de Simbor, inviabilizando de vez o acesso ao poço de Dant-Kui, retirou o direito de cobrança de taxas de ancoragem no porto e foi fonte de permanentes conflitos dos portugueses com Junaghad e com os ingleses, respeitantes aos limites das águas territoriais. A autorização de atravessamento do território para as tropas que ocupavam o forte passou a ser dada por Juganahd, a conselho e com permissão do governo de Bombaim, desde que desarmadas. A rendição de tropas armadas só podia fazer-se por mar, se a monção o permitisse. A água, preciosa, ficou além fronteiras.
O tratado estipulou ainda que os habitantes mouros da aldeia de Gogolá poderiam manter a tradição de enterrar os seus mortos numa aldeia que passou a pertencer a território indiano e, em compensação, foi cedido o espaço do “Triveni” em Simbor para as cerimónias hindús. O “Triveni” designa o local, sagrado para os hindús, situado na confluência de 3 rios.
“um suficiente espaço […] seja reservado na confluente dos três ramos do riacho, chamado o Triveni para nele se praticarem as cerimónias usadas pelos Brahamanes do paiz, e para a queima dos cadaveres dos hindús, e dentro daquela demarcação nã será posto nem estendidos pelos subditos portugueses peixe, redes ou outra cousa, ficando a cargo das autoridades de Junaghar limitar com sebe o tal terreno se assim o quiserem.”
Os mouros de Gogolá optaram por enterrar os mortos em território português e o “Triveni” nunca teve o uso para o qual foi cedido. Apesar de aí ter sido delimitado um muro com pedras (em maio 1892) manteve-se o abandono deste espaço, bem como a interdição ao seu uso pelos machins (pescadores), restringidos, a partir dessa data, a dois pedaços de terras arenosas. No mapa do Território Adjacente ao forte de Simbor na juridisção de Praça de Diu, Archivo Militar de Goa” de 1861, encontram-se demarcados os limites fixados em 1859 e lê-se a designação do “lugar para queimar os mortos”.
Em 1917 o estado de Junaghad pediu autorização para a reconstrução do muro do “Triveni”. Na sequência deste pedido o Governador de Diu, Raúl do Amaral, enviou um relalório de resposta ao Governador Geral expondo os vários conflitos acerca do porto de Simbor: “Esse tratado com toda a sua degradante história anterior nenhumas vantagens trouxe a Portugal e, se liquidou as questões em Gogolá dando nós às mãos largas, em Simbor embrulhou cada vez mais tudo.”
O tratado de 1859, confuso no que respeitava aos limites marítimos do porto de Simbor, originou diversos atritos, de que se destaca o de 13 de Janeiro 1889, que resultou num conflito entre o estado de Junaghad e o Governo Geral. A pequenez do porto não comportava todos os barcos que ali se queriam abrigar e o Governador de Diu, Nuno da Câmara (desde 1887) efectivou o policiamento das águas do porto de Simbor. Durante a monção o estado de Junaghad dependia do porto, quer para a pesca quer para o comércio ligado à exportação dos “espíritos” e os rendimentos que obtinha com o “abkari” (sistema tributário sobre as licenças de venda de bebidas alcoólicas), utilizando-o sem pagar impostos.
O incidente em questão, fruto de uma tentativa de contrabando, desagradou ao Governo de Bombaim e para evitar conflitos o Governo Geral nomeou Governador de Diu Caldas Xavier (abril 1889), tendo como seu secretário geral Mouzinho de Albuquerque incumbido de realizar uma sindicância aos factos ocorridos.
No referido relatório, em resposta ao Governo Geral que, ignorando a realidade local sugeria o abandono definitivo de Simbor, Raúl do Amaral refere que, apesar do estado de quase abandono do forte, o porto, utilizado pelos machins, contribuía bastante para a pequena economia de Diu, sendo aqueles os maiores fornecedores de bombolim, o peixe seco que se come durante a monção. No ano seguinte o novo governador de Diu, José Pedro Kuchenbuk Villar, pediu a suspensão do tratado de 1859 ao governo geral, considerando que, naquelas condições, “Simbor nada vale […] um forte derrocado”.
O relatório de uma visita do governador de Diu em 1924 refere que o território português se resume a “3 pequenos terrenos encravados no território do nababo de Junaghad, terras areosas e áridas. […] Sobresai o forte de simbor em parte arruinado pelo último ciclone.”
Em 1954, quando do ataque ao enclave de Damão, Nagar Aveli, o pequeno forte de Simbor também foi ocupado por voluntários da União Indiana. Após içarem uma bandeira indiana, os ocupantes retiraram-se pouco depois. Esta temporária ocupação do forte, embora sem resistência nem consequências, foi noticiada na imprensa indiana como a “queda do forte de Simbor”.
Na sequência dos ataques aos enclaves de Damão, a recolha da documentação histórica que fundamentou os argumentos comprovativos da soberania de Portugal naqueles territórios, apresentados no tribunal internacional de Haia, incluiu, para além da pesquisa histórica referente aos territórios de Dadrá e Nagar Aveli, o pequeno território de Simbor, por indicação do ministro do ultramar, em 1957. Foi neste contexto que o historiador Alexandre Lobato, designado pelo Centro de Estudos Históricos Ultramarinos para chefiar a equipa de investigação histórica de fundamento à queixa apresentada em Haia, se deslocou a Diu e Simbor em Setembro de 1958.
Os limites e fronteiras do pequeno enclave de Simbor foram, desde o início da ocupação portuguesa, vagamente definidos e fonte de conflitos: ”Aquilo é uma coisa complicada... Depois que lá fui tudo se me fez claro, e como tenho a panorâmica na minha cabeça, os papéis são agora eloquentíssimos.” (Carta de Alexandre Lobato, Diu 31-10-58). Quanto ao forte, Lobato descreve-o como estando “em estado miserável, vergonhoso e indigno, escavacado e sujo, desconfortável, metendo água pelo terraço e vasando-a pela cisterna, numa pitoresca inversão de funções entre estes dois elementos.”
As “hortas de simbor”, terrenos na parte continental, foram vendidas em 1898, desconhecemdo-se (em 1957) se o sua venda reverteu ou não para o estado. Em 1901, foi instalada a primeira lâmpada de sinalização na fortificação, substituída, em 1958, por um farolim. Em data incerta, foi erguida uma exígua capela no interior da fortificação. A imagem de Santo António, bem como duas inscrições epigráficas relativas a obras de reconstrução ou manutenção, localizadas sobre a porta, com as datas de 1810 e 1857, foram posteriormente trazidas para Diu.
Em 1961 a sua fraca guarnição, incomunicável, foi o último contingente militar a render-se na Índia Portuguesa, no dia 19 de dezembro de 1961, por intermédio de um oficial português de Diu, conduzido à posição numa lancha com tropas indianas.
O perímetro fortificado do Fortim de Santo António ocupa um área retangular de aproximadamente 420 m2, apresentando ainda uma área adicional de 390 m2, onde se localizam a cisterna e algumas estruturas exteriores. A porta, situada no flanco sudoeste, é ladeada por dois pequenos torreões: naquele a sudoeste, ao qual se acede por meio de uma rampa, já no interior, abrem-se duas canhoneiras e sobreleva-se uma guarita no ângulo saliente. Com exceção deste elemento, praticamente todo o flanco sudeste da fortificação desabou. No ângulo nordeste do baluarte ou couraça da zona norte, permanece ainda um singelo cunhal com outra guarita, de desenho aparentemente pós-português. Este seria, provavelmente, o flanco mais artilhado da fortificação, orientado para a enseada de Simbor, onde os corsários sanganianos ancoravam as suas embarcações ligeiras. O uso de betão armado na cisterna e em estruturas próximas sugerem a realização de obras nos últimos anos do domínio português ou no período pós-1961. Muito recentemente, as autoridades indianas ergueram um extenso muro, paralelo ao flanco norte das ruínas da fortificação, alongando-se por quase todo o ilhéu, eventualmente para tentar conter o efeito das ações erosivas, provocadas pelo mar, sobre as estruturas arqueológicas.
Maria de Lurdes Janeiro