Câmara Municipal
Madgaon [Margão], Goa, Índia
Equipamentos e infraestruturas
A Câmara Municipal de Salcete foi construída durante o ano de 1903 e é uma das mais imponentes construções do domínio português que sobreviveu até hoje, numa evidente demonstração da importância do concelho no quadro do Estado da Índia e, em particular, no quadro de Goa. O projeto foi desenvolvido e aprovado no ano anterior, tendo sido orçamentado num total de 65.000 rupias. Um testemunho oral refere o arquiteto José Lourenço, nascido em Margão, que trabalhava em Bombaim com Aloísio Colaço, seu tio, como sendo o autor do projeto. A implantação urbana da Câmara de Margão é uma das suas características mais importantes, dado que assinala a nova expansão da cidade, juntamente com a linha e a estação de caminho‑de‑ferro. O edifício foi implantado no extremo sul de um jardim, que será posteriormente o Jardim Municipal, e organizou todo o espaço envolvente. A sua implantação terá também influenciado decididamente a arquitetura, uma vez que o facto de ter quatro frentes urbanas contribuiu visivelmente para que estas fossem tratadas praticamente como iguais. O edifício é simétrico, de planta retangular, telhado de quatro águas, e fachadas praticamente idênticas duas a duas. A exceção encontra ‑se na zona da entrada, marcada com uma galilé de dois pisos, composta por três arcos, que sustinha um frontão com uma decoração geométrica, existindo assim uma diferença entre a fachada sul e a fachada norte. O edifício desenvolve ‑se em dois pisos e a sua planta é simples, com uma correspondência patente entre interior e exterior. A estrutura interna do edifício é definida por dois eixos de simetria: o corredor central e a entrada, que lhe é perpendicular. A única exceção à simetria imposta por estes dois eixos permanece na zona da entrada principal, onde, no primeiro piso, existe um espaço não encerrado, enquanto na parte sul existe simplesmente mais um gabinete, facto que aliás se reflete na fachada. O espaço não encerrado no primeiro piso era uma zona de recepção/espera junto ao salão nobre. As restantes salas do primeiro piso, cuja utilização exata se desconhece, eram acessíveis pelo corredor central. No rés‑do‑chão, algumas das salas têm acesso direto pela rua. O edifício tem uma galeria corrida em toda a volta, quer no piso inferior, quer no superior. As fachadas norte e sul estão divididas em cinco partes, através de pilastras que correspondem também a uma divisão no interior, pois às pilastras correspondem os arcos que sustentam os pisos. A definição das pedras angulares das colunas e das aduelas do primeiro piso transforma estes elementos construtivos em elementos decorativos, embora não se trate exatamente de uma arcada rusticada. O facto de as pedras angulares no primeiro piso do corpo central desaparecerem, para reaparecerem no andar nobre, contribui para que este edifício tenha uma imagem invulgar, ao mesmo tempo rica e forte. O edifício é ainda marcado por duas balaustradas, uma que funciona como remate na zona do telhado e outra no piso nobre. Os medalhões presentes em ambos os pisos, com formas geométricas diferentes, só existem na zona central e reforçam a presença da decoração. Não se sabe como funcionava o edifício no tempo da administração portuguesa, mas no piso nobre o espaço central não encerrado seria possivelmente zona de espera, enquanto as restantes divisões eram provavelmente gabinetes cuja função se desconhece. Entre a data da construção e o ano de 1953, o edifício sofreu algumas alterações, reveladas pelos elementos fotográficos conhecidos da época. Na zona da entrada, o frontão foi retirado e demolida a parte superior do corpo que avança. Pode observar ‑se também que foram acrescentados reforços nos cantos do edifício, indiciando problemas estruturais. A forma, como refere José Manuel Fernandes, faz lembrar edifícios de Macau que lhe são contemporâneos. E embora provavelmente essa semelhança seja mais do que uma coincidência, uma vez que os técnicos das obras públicas circulavam entre as diferentes colónias, no entanto, também na Índia Inglesa se podem ver construções com uma forma idêntica, desde os ligados à administração até aos aquartelamentos. Não se sabe se José Lourenço estudou no território vizinho, mas é o mais natural. A Câmara de Salcete é o primeiro edifício público onde são utilizadas arcarias nas fachadas. É também o único no território goês cuja autoria é conhecida, que foi desenhado por um técnico privado, numa clara declaração de autonomia e poder do Concelho de Salcete. É assim um exemplar único e excepcional no território goês, refletindo quer o poder de Salcete, quer as alterações que estavam a decorrer na sociedade goesa e que se iriam sentir nas obras públicas das primeiras décadas no século XX.