
Aeroporto Sacadura Cabral / Aeroporto Internacional da Beira
Beira, Sofala, Moçambique
Equipamentos e infraestruturas
O Porto da Beira foi comprado pelo governo provincial em janeiro de 1949 e o Caminho de Ferro da Beira pelo Ministério das Finanças do governo metropolitano em abril de 1949, após o término da concessão dos territórios de Manica e Sofala à Companhia de Moçambique, em 1942. Ambos passaram para a tutela dos Portos, Caminhos de Ferro e Transportes da Província de Moçambique (PCFTM), empresa dependente do Governador-Geral que tomou a seu cargo a programação e execução de um conjunto de melhoramentos do porto e das linhas de caminho de ferro, bem como da construção de um novo aeroporto.
O existente Aeródromo Pais Ramos, localizado numa zona central da cidade, tinha sido aberto à navegação aérea no dia 19 de junho de 1928, aquando da chegada dos primeiros aviões nacionais à Beira, escala da expedição Lisboa-Lourenço Marques da 1.ª patrulha aérea. O aeródromo foi encerrado aos aviões das carreiras da Divisão de Exploração dos Transportes Aéreos (DETA) dos PCFTM, em 31 de maio de 1954 e, definitivamente, em 1 de janeiro de 1961.
O Projeto de Urbanização da Cidade da Beira (1943-1946), da autoria do arquiteto José Luís Porto (1883-1965) e do engenheiro Joaquim Ribeiro Alegre, previa já a transferência do aeródromo para a Manga do Loforte, uma zona elevada a nordeste do centro da cidade. A autorização para expropriação dos terrenos foi concedida pelo Governador-Geral de Moçambique em 1949. Os trabalhos de construção das três pistas em terra batida ficaram a cargo da brigada mecanizada n.º 2 e do Serviço de Aeródromos dos PCFTM. Com a aterragem de um Dakota e de um Lockheed da DETA, em 18 de maio de 1953, as pistas foram oficialmente abertas ao tráfego aéreo.
A estratégica posição geográfica da cidade da Beira, ponto central das carreiras aéreas nacionais e internacionais que serviam os principais núcleos urbanos da antiga província, assim como os territórios da África do Sul e Central, esteve na base da decisão, pela Direção dos PCFTM, de elevar o aeroporto à categoria de campo para aviões de grande porte. Desse programa faziam parte a asfaltagem das pistas, realizada entre 1956 e 1957 pela Construtora do Tâmega, e o estabelecimento da rádio ajuda, sinalização luminosa e edificações necessárias ao funcionamento do novo aeroporto.
Em 2 de Setembro de 1958 o jornal Notícias publicou a notícia, ilustrada com o alçado principal de um edifício semelhante ao da congénere do Aeroporto Craveiro Lopes, em Luanda, projeto de Francisco Keil do Amaral (1910-1975), inaugurado em 1954, do encerramento do concurso para a empreitada de construção da torre de controlo, a ser englobada na futura aerogare. Neste artigo foi igualmente apresentado o anteprojeto de urbanização do complexo aeroportuário. A empreitada para a construção da torre de controle, que em outubro de 1959 se encontrava em estado bastante adiantado, foi adjudicada à Companhia Portuguesa de Construções Laing.
A pedido do governo português foi decidido em 1960, em reunião da Africa-Indian Ocean Region da International Civil Aviation Organization, transferir o Centro de Informação de Voo de Lourenço Marques para a Beira, com a consequente necessidade de considerar a montagem e organização dos serviços necessários para o controlo do tráfego aéreo em Moçambique.
No início de 1961 foi celebrado contrato para construção de uma aerogare provisória segundo projeto elaborado pela Direção Geral da Aeronáutica Civil (DGAC), em Lisboa. A este organismo tinha sido atribuída a responsabilidade pelos aeródromos ultramarinos através do decreto-lei do governo central que criou, em 1954, os Serviços de Aeronáutica Civil (SAC) nas Províncias de Angola e Moçambique. Do programa dos SAC para 1961 constava a construção de um hangar para os serviços técnicos, a entrada em funcionamento da sinalização luminosa e dos centros recetor e emissor, a inauguração do hangar da DETA, o projeto do Serviço de Obras da companhia aérea, e da primeira fase das instalações privativas do Aero Clube: parque de estacionamento, sede, hangar, campos de jogos e piscina. Do complexo previsto para o Aero Clube apenas o hangar foi edificado, em estrutura metálica revestida a Lusalite, tendo as verbas destinadas à construção das restantes instalações sido empregadas na aquisição de novos aviões de instrução e observação para a Força Aérea de Voluntários. Em abril do mesmo ano passaram a escalar o aeroporto os aviões quadrimotores Super-Constellation da TAP, da carreira Lisboa-Luanda-Lourenço Marques.
Segundo portaria do Governador-Geral, publicada em 28 de março de 1964, o aeroporto da Beira passou a denominar-se Aeroporto Sacadura Cabral, em homenagem a uma das maiores figuras da aviação portuguesa e como reconhecimento pelos importantes trabalhos de geodesia que realizou naquela antiga Província.
A instalação da Base Aérea n.º 10, principal infraestrutura da Força Aérea em Moçambique, bem como a sua adaptação aos futuros quadrirreatores da TAP, implicou a ampliação e reforço das pistas para aviões a jato. A empreitada principal foi adjudicada em maio de 1964 e as obras iniciadas em setembro seguinte, a cargo do empreiteiro Manuel da Silva Oliveira, tendo como subempreiteiro a Companhia de Construções de Moçambique. No dia 8 de junho de 1964 aterrou pela primeira vez nestas pistas um avião a jato, um bombardeiro English Electric Canberra da Força Aérea Rodesiana. No dia 4 de novembro de 1965, com as obras concluídas, iniciou-se a carreira Lisboa-Beira da TAP com aviões a jato Boeing 707. Os passageiros com outros destinos na província passaram a ser aqui transferidos para os Fokker F-27 Friendship da DETA.
O projeto do novo edifício da aerogare foi executado na Direção do Serviço de Obras da DGAC por Cândido Palma de Melo (1922-2003), arquiteto que também desenhou a aerogare do aeroporto de Lourenço Marques. No entanto, um artigo do jornal Diário de Moçambique de 24 de janeiro de 1965, atribui a assinatura do projeto final aos arquitetos Raul Santiago Pinto e Octávio Rego Costa e engenheiros Salvador António Novais e Joaquim Barata Corrêa.
O projeto da aerogare, que estava em curso no início de 1961, foi dado por concluído em meados de 1963, embora os desenhos do projeto estejam datados de dezembro do mesmo ano. Esteve retido em Lisboa para revisões e alterações até que, em abril de 1964, foi noticiada a sua conclusão. Ao longo do processo de construção, que se iniciou em meados de 1965, a obra sofreu ainda adiamentos provocados pela demora na seleção dos materiais de acabamento e pela redução de um módulo no comprimento total do edifício, com a consequente necessidade de reorganização do seu espaço interno. Data certamente do período de construção a interrupção da edificação dos últimos três módulos do topo nascente ao nível da guarda do segundo piso, ficando por resolver a continuidade dos pilares e a articulação do atual terraço com a varanda a norte. Inicialmente dimensionada para permitir o despacho simultâneo de 7 aviões tipo Boeing 707, num total de 1050 passageiros em dois voos nacionais e cinco internacionais, a aerogare do Aeroporto Sacadura Cabral, à época a maior do território nacional, foi inaugurada no dia 27 de junho de 1968 pelo Subsecretário de Estado do Fomento Ultramarino.
O volume da aerogare implanta-se entre a placa de estacionamento de aeronaves e um vasto espaço de estacionamento automóvel e de receção. Tem a forma de um prisma retangular de dois pisos, coberto ao nível do segundo piso por uma sequência de vinte e cinco abóbadas em forma de “U” invertido (eram vinte e nove no projeto inicial), módulos estruturais tridimensionais de sentido transversal. Este prisma longitudinal liga-se à preexistente torre de controlo através de um corpo exterior parcialmente coberto ao nível do segundo piso, a esplanada do bar público, que se prolonga do lado oposto da torre pelo volume térreo da antiga aerogare provisória, os atuais serviços técnicos.
A expressão formal das duas fachadas principais da aerogare assenta no equilíbrio entre a acentuação vertical dos pilares e das lâminas dos quebra-luzes, a dominante horizontal das lajes de piso e de remate, e o movimento rítmico das abóbadas da cobertura. Palas horizontais projetam-se assimetricamente no alçado sul, assinalando as entradas principais no edifício; no alçado norte, à face da pista, os envidraçados recuam formando no primeiro piso um profundo alpendre e no segundo uma varanda pública contínua, protegida pela projeção em consola das abóbadas da cobertura.
A organização funcional e espacial do edifício garante total independência dos fluxos de passageiros de voos domésticos e internacionais e uma perfeita clareza de circulações. Concebido em planta livre de forma a permitir diversas compartimentações, estrutura-se em torno de dois átrios retangulares de diferente dimensão. Ambos com pé-direito duplo, eram plasticamente expressos no interior pelos forros de réguas de madeira dos caixotões dos tetos e pela iluminação zenital e formalmente assinalados no exterior pelos dois volumes das claraboias, hoje em dia encerradas, sobrepostos às abóbadas da cobertura. No primeiro piso da aerogare encontram-se os serviços técnicos e administrativos (que se prolongam pelos restantes pisos da torre de controle) e os espaços afetos ao trânsito doméstico e internacional dos passageiros; no segundo piso dispõem-se os serviços das companhias aéreas, o bar, o restaurante do público e o restaurante dos passageiros em trânsito, estes dois últimos com ligação direta à extensa cozinha e instalações complementares. A compartimentação de todos os espaços interiores foi regrada pela modulação base de 6m x 6m, matriz que também dimensionou a estrutura de suporte principal permitindo o recurso à prefabricação das abóbadas de betão da cobertura.
Nos espaços da aerogare foram integradas algumas obras de arte: pelo arquiteto José Augusto Moreira, foram realizadas as decorações dos restaurantes e de alguns escritórios (Serviços Aéreos da Beira e dos Transportes Aéreos de Moçambique); por José Pádua (1934-2016), o painel decorativo da sala VIP e o baixo-relevo do restaurante do público; e por Jorge Vasconcelos, embora inicialmente atribuída a Leopoldo de Almeida (1898-1975), a estátua com quatro metros de altura de Sacadura Cabral, colocada em 1972 no largo fronteiro à aerogare a eixo da sua entrada principal.
Poucas alterações foram introduzidas no edifício da aerogare, ao longo da sua existência. As mais evidentes são a ocultação do forro de madeira das abóbadas dos átrios principais através de tetos falsos, o volume construído ao nível do quarto piso da torre de controle, que até há poucos anos atrás suportava uma volumosa esfera dourada, e o encerramento do alpendre na zona central do piso térreo da fachada norte. Por outro lado, a varanda corrida virada à placa de estacionamento, muito concorrida pelo público que vinha receber ou despedir-se dos passageiros durante o período colonial, é agora um espaço inacessível, em resultado das regras de segurança atuais. Muitos espaços do 1.º andar da aerogare, como os restaurantes e respetivas cozinhas, sobredimensionados em relação ao tráfego aéreo existente, estão abandonados ou têm pouca utilização. No entanto, graças ao bom estado de conservação do edificado e à flexibilidade da sua matriz compositiva e estrutural, o edifício da aerogare do Aeroporto Internacional da Beira garante a fácil adaptação dos seus espaços interiores às mutáveis exigências funcionais e espaciais deste tipo de equipamentos.
Projecto de Investigação “Coast to Coast - Late Portuguese Infrastructural Development in Continental África (Angola and Mozambique): Critical and Historical Analysis and Postcolonial Assessment” [PTDC/ATP-AQI/0742/2014]
Coordenado por Ana Vaz Milheiro