Estação Radionaval de Cabo Verde
Mindelo [Porto Grande], Ilha de São Vicente, Cabo Verde
Equipamentos e infraestruturas
O conjunto da Estação Radionaval de Cabo Verde, localiza-se nas imediações da Estrada Mindelo-Calhau, numa zona periférica a sul da cidade do Mindelo. A sua implantação adapta-se à morfologia do terreno. O projeto, datado de 1961, é assinado por António Saragga Seabra no âmbito da DSUH-DGOPC.
Para além das áreas estritamente destinadas à Estação Radionaval, o projeto inclui edifícios de habitação destinados aos militares. Esta tendência assume particular importância na década de 1960 com o início da guerra colonial, constituindo um programa paralelo ao qual os arquitectos da Direcção de Serviços de Urbanismo e Habitação (na maioria antigos profissionais do Gabinete de Urbanização do Ultramar) também se dedicam. Neste projeto identifica-se já uma certa tendência "organicista", que a cultura arquitetónica da Metrópole aconselha em tempo de lançamento do Inquérito à Arquitectura Popular em Portugal (1955-1961), através da utilização de materiais e recursos arquitetónicos tradicionais, como o embasamento em pedra e a cobertura em telha, devidamente ventilada.
O projeto de António Seabra para o Mindelo tem um programa similar ao realizado por Luís Possolo para as Estações Radionavais de Lourenço Marques e Luanda (1959-1960). O complexo é composto pelos centros emissor e recetor, aquartelamento, residência para comandante naval, três residências para oficiais e por doze habitações geminadas para cabos e sargentos.
A Central Emissora localiza-se a sensivelmente 2 km de distância, na direcção sudoeste, da Central Recetora, implantada junto da zona residencial.
O edifício do aquartelamento apresenta uma orientação norte-sul e o seu programa desenvolve-se em dois pisos. No piso térreo localizam-se as zonas comuns, como a sala de estar e a sala de jantar, bem como a cozinha, a lavandaria e o paiol. Neste piso existe ainda um anexo com enfermaria e gabinete médico. No segundo piso estão instalados os dormitórios, vestiários e sanitários. A forma em T da planta permite a duplicação de espaços, habitual em equipamentos deste género como forma de separação entre soldados europeus e indígenas.
A Residência do Comandante Naval apresenta um programa definido pelos serviços da Marinha e compõe-se em dois pisos. O primeiro piso destina-se à zona de receção e serviços e o segundo piso à zona íntima, incluindo quarto de hóspedes. Em relação à orientação, o seu eixo longitudinal segue a direcção nordeste-sudoeste de modo a permitir uma eficiente proteção aos ventos dominantes constantemente carregados de poeiras.
As restantes residências e as habitações geminadas desenvolvem-se num só piso e erguem-se sobre plataformas horizontais que nivelam o terreno acidentado, seguindo as práticas construtivas que aconselham o afastamento dos edifícios do solo para prevenção contra a humidade habitual dos trópicos. As residências para sargentos e cabos têm o seu eixo longitudinal na direcção nascente-poente, enquanto as residências para oficiais respeitam a direcção tomada pela residência do comandante. Nas primeiras, de tipologia T3, a entrada faz-se através de um vestíbulo que divide a zona comum da casa, composta por uma sala com acesso a dois pátios e pela cozinha e zona de serviço, da zona privada dos quartos.
O desenho aponta uma alteração de orientação no contexto da própria arquitectura moderna: o traçado das diferentes estruturas procura uma maior contextualização no lugar, facto visível na implantação cuidada dos edifícios e principalmente na utilização de materiais locais, assumidos no plano estético. A exploração plástica da pedra basáltica, vulgar no arquipélago, sobressai no embasamento e na marcação de entradas e empenas dos edifícios que compõem o complexo.
Os sistemas de ventilação propostos refletem os ensinamentos do Curso de Arquitetura Tropical frequentado por Seabra em Londres, na Architectural Association. A ventilação do telhado é assegurada através de uma fresta horizontal localizada no encontro entre a fachada e a cobertura inclinada. A mesma solução técnica é utilizada em projetos de Maxwell Fry e Jane Drew, depois publicados em Tropical Architecturein the dry and humid zones (1964). Este facto confirma a atualização destes profissionais dentro das principais teorias e avanços técnicos relacionados com a produção de uma arquitectura alinhada com as questões do clima que começam a dominar as preocupações ecológicas dos arquitetos deste período.
Em 1968 surgiu a necessidade de alojar 30 famílias de sargentos e praças. O projecto é assinado por Eurico Múrias dos Santos. O programa seguiu as indicações dos serviços da Marinha que, por motivos económicos, propõe a construção de seis blocos com dois pisos, tendo sido construídos dois. As áreas de circulação foram reduzidas ao mínimo e cada bloco é composto por três tipologias T2 e duas T3. A implantação segue a orientação nordeste-sudoeste, proposta por Seabra, e adapta-se às condições do terreno e às vistas existentes.
Após a independência o complexo deixou de funcionar como estação radionaval, tendo as residências sido ocupadas e/ou vendidas a particulares. No restante conjunto funcionam diversas instituições, como a própria Universidade de Cabo Verde. São visíveis obras de alteração nos diversos edifícios que retiraram a legibilidade do conjunto como unidade arquitetónica.
Ana Vaz Milheiro
Os Gabinetes Coloniais de Urbanização: Cultura e Prática Arquitectónica.
(PTDC/AUR-AQI/104964/2008)