
Mesquitas “Brasileiras”
Porto Novo, Benim, Bénin/Benim, ex‐Daomé
Arquitetura religiosa
Além dos nomes de origem portuguesa ou luso-brasileira, existe em Porto Novo um património construído, nomeadamente as chamadas mesquitas "brasileiras" do Benim. Tal é o caso da espantosa Grande Mesquita, peça de aparato que representa a transposição, para o Golfo da Guiné, de uma grande igreja de planta cruciforme, com uma surpreendente mestiçagem de linguagens decorativistas. A data de construção é dos inícios do século XX. Infelizmente, foi mutilada por acrescentos de péssima extração, produzidos na década de 1990. Mas, apesar dos malefícios e da corrosão do tempo, ainda transparece a grandiosidade e a beleza da obra, transmutada para a sua nova hierofania. Foi edificada entre 1910 e 1935, ao que se sabe, sob influência da Mesquita de Lagos (edificada por "afro-brasileiros") e, ao mesmo tempo, das igrejas barrocas de São Salvador da Bahia, numa referência iconográfica natural, dada a origem da comunidade afrobrasileira local. A desconstrução do frontão europeu, rematado por desenhos denteados que se lhe sobrepõem, a profusão de molduras de sucessivos recortes paralelos e a existência de colunelos soltos na composição (incluindo alguns encaixados em "negativos" do volume da parede) - são elementos que apelam a gramáticas com ressonâncias orientalistas. A marca oriental, talvez indo portuguesa, aparece também nas carpintarias, designadamente na porta de entrada (lateral), de excecional qualidade. Outros vãos apresentam ainda as madeiras originais, todas magistralmente trabalhadas. A explicitação do islão é muito contida: um par de crescentes com estrelas (de seis pontas), sobrepujados ao ângulo superior do frontão, e idênticos elementos soltos que concluem uma espécie de florões nas prumadas das pilastras "disfarçadas" que repartem o alçado.
Na cidade de Ouidah, perto do que resta do Forte de São João Batista de Ajudá, a Mesquita Grande de Ouidah é igualmente um bocado de arquitetura (incompleta) de uma outra tipologia de templo colonial brasileiro. Esta construção, realizada talvez nos anos 20 do século passado, repete o esquema de abundantes aberturas para ventilação, como acontece em igrejas brasileiras. Embora mais simples que a de Porto Novo, não deixa de ser um espécime de grande interesse, mesmo com a aposição do par de minaretes (note-se que são dois, como competiria na composição clássica das igrejas barrocas), com um tipo de desenho que se filia na imagem destes elementos no mundo árabe do Médio Oriente. Estes dois exemplares de arquitetura religiosa devem enquadrar-se no plano e na problemática (ainda em aberto, em termos de investigação aprofundada) da vasta difusão cultural de matriz luso-brasileira, e nestes termos, da possível influência cultural portuguesa, direta ou indireta, no património edificado africano. A produção de um património construído como o das mesquitas "brasileiras" do Benim, bebendo na matriz portuguesa da arquitetura colonial, acaba por conduzir, como contraprova, a hipóteses de leituras para situações ainda indecifradas no panorama da arquitetura portuguesa, integrando os temas da especificidade cultural e dos processos de retorno migratório, a relacionar, talvez, com o fenómeno dos Impérios do Espírito Santo, sobretudo nos Açores, onde a influência orientalizante pode estar presente, tal como nos citados edifícios sacros de Porto Novo. Estes valores ficam expressos nesta arquitetura, como uma memória (que se vai transformando).