
Cidadela
Hurmuz [Ormuz/Hormoz/Armûz], Golfo Pérsico | Mar Vermelho, Irão
Arquitetura militar
Apesar dos melhoramentos e benefícios introduzidos na estrutura da fortaleza, a maioria das peças de artilharia estava disposta em situação muito elevada, ao longo do adarve e no alto dos torreões, sendo escassas as canhoneiras que permitiam o tiro rasante. Tornava-se evidente, face à evolução da pirobalística, que também em Ormuz, à semelhança do que vinha sucedendo em inúmeros territórios pontuados pela presença portuguesa no mundo, se deveria construir uma fortaleza "à italiana", com baluartes angulares que absorvessem o impacto dos projéteis e evitassem os ângulos mortos. Em 1547, o arquiteto militar Francisco Pires foi enviado para Ormuz pelo vice-rei D. João de Castro, que não acedeu ao pedido formulado pelo capitão da Ilha de Moçambique, que o pretendia para as obras de fortificação daquela ilha. Este arquiteto fora o responsável pela reconstrução da Fortaleza de Diu e era tido em alta conta pelo vice-rei, também ele versado na arte de fortificar, patente em diversas cartas que escrevera ao filho D. Álvaro: "Faze muita honra a Francisco Pires, por que não temos qua milhor cousa" (Viterbo, 1988, p. 302). A presença do conceituado Fernando Pires em Ormuz, relegando para segundo plano a premente fortificação da Ilha de Moçambique, só faria sentido se estivesse em causa a elaboração de um projeto de evidente importância, como o lançamento da obra moderna abaluartada. Pedro Dias é desta opinião e conferelhe a paternidade da traça que esteve na base da grande campanha de obras que transformou Ormuz numa obra moderna; Rafael Moreira situa mais tarde este empreendimento de vulto, nos anos de 1558-1560, atribuindo a sua con cepção integral a Inofre de Carvalho, apoiado no testemunho de Diogo do Couto, que se lhe refere como "grande Arquiteto (que El Rey D. Sebastião tinha man dado reformar a fortaleza de Ormuz)" (Viterbo, 1988, p. 530). Seja como for, concretiza-se um dos projetos mais ambiciosos do Oriente: uma fortaleza de planta trapezoidal, adaptada à ponta arenosa, com uma área de implantação bem maior que a anterior (cerca de 20.000 metros quadrados), provida de quatro impressionantes baluartes angulares, que o mar cingia por três lados e o fosso delimitava na frente sul, isolando-a, quando necessário, do resto da ilha. A opção construtiva foi envolver a fortaleza manuelina, aproveitando e integrando apenas parte das suas estruturas, as faces sul e sudoeste, arrasando-se as demais e expandindo a zona intramuros acentuadamente para norte. No interior, erigiramse dependências abobadadas adossadas à muralha, sobre as quais assentava a artilharia (em 1606, comportava cerca de setenta peças de bronze). É também no contexto desta reestruturação que Inofre de Carvalho abre, junto ao baluarte sudo este, uma nova e ampla cisterna, de planta oblonga, com vinte e um metros de comprimento e 7,20 de altura, cuja abóbada, que ainda hoje sobrevive, se apoia em seis pujantes pilares.
Depois desta reforma, vários arquitetos militares (João Baptista Cairatto, 1591; Júlio Simões, 1596; António Pinto da Fonseca, 1613) inspecionaram a fortaleza, mas destas visitas resultaram, essencialmente, obras de recuperação; Orta Rebelo, em 1606, consideraa "a mais [in]expugnavel fortaleza" de todo o Estado da Índia (Serrão, 1972, p. 92), mas os últimos pareceres, nome adamente o de Garcia de Silva y Figueroa, embaixador de Filipe II, como deu a conhecer Luis Gil Fernández, não eram abonatórios para as condições militares em que se encontrava a cidadela. Após 1622, os acrescentos persas, como o alargamento do fosso, a construção de uma contraescarpa no exterior, protegendo a entrada, e a elevação de parapeitos também não desvirtuaram o conjunto. Perdendo rapidamente a sua importância comercial e militar, a cidade de Ormuz foi abandonada e a fortaleza, nos últimos três séculos, transformou-se numa impressionante ruína de indiscutível valor patrimonial.
Em tempo recente, a fim de estancar a degradação progressiva, as entidades iranianas tomaram algumas medidas preventivas e promoveram outras de emergência, algumas pouco criteriosas: em 1977, a muralha ocidental e o baluarte noroeste foram cimentados e, em finais do século XX, procedeu‐se à reconstrução de um dos baluartes circulares e elevou‐se em cerca de dois metros o chão da cisterna manuelina.
Em 2004, a Fundação Calouste Gulbenkian ofereceu às autoridades iranianas um projecto para a reabilitação da fortificação, o qual permitiu uma reflexão sobre o espaço e a história. Realizou‐se o levantamento arquitetónico das estruturas existentes e introduziram‐se dados novos e precisões pertinentes na reconstituição planimétrica da torre, da fortaleza manuelina e da cidadela que Wolfram Kleiss havia elaborado em 1978, instrumentos fundamentais para a compreensão de todo o complexo edificado, do que fora outrora e do que é no presente.