
Fortaleza
Hurmuz [Ormuz/Hormoz/Armûz], Golfo Pérsico | Mar Vermelho, Irão
Arquitetura militar
A segunda campanha construtiva principiou em 1515, sob novo impulso de Afonso de Albuquerque e direção do arquiteto Tomás Fernandes, prolongando se até à década de 40 do mesmo século, circunstância que conferiu ao conjunto fortificado características híbridas (que estão na base da diversidade de interpretações quanto à sua evolução formal neste período).
O perímetro amuralhado manuelino configurava uma planta pentagonal irregular, adaptada à topografia do local, e estava dotado de torreões de características formais diversas, conforme a função, a localização e o tempo histórico da sua construção. A obra começou pelo lanço de muralhas que estava voltado à cidade, na extremidade leste, onde se ergueu a entrada da fortaleza (mais tarde, abriu-se uma segunda porta noutro ponto da muralha, porque as marés, por vezes, dificultavam aquele acesso): após a abertura dos alicerces e a cerimónia de lançamento da primeira pedra, levantaram-se dois torreões de secção hexagonal a ladear o portal, que uma guarita encimava, munidos de aberturas destinadas a artilharia para tiro baixo; o torreão da estrema estava implantado na água, pelo que os seus fundamentos foram abertos durante a "baixa mar a grã pressa" (Correia, 1860, II, p. 439). Esta frente amuralhada comportava ainda, sensivelmente a meio da sua extensão, em posição saliente, um outro torreão, semicircular, também acasamatado e, no extremo poente, um cubelo de planta quadrangular. Do lado ocidental, no ângulo de intersecção dos panos de muralha oeste e noroeste, ergueu-se uma possante torre ultracircular com casamata; a planta circular, em detrimento de outras formas, terá sido escolhida para aquele ponto vulnerável da muralha a fim de exercer maior resistência ao impacto do mar, como vários arquitetos da altura teorizaram; existem autores, con tudo, como André Teixeira, que o remetem para a campanha de 1540, identificando-o com o denominado baluarte redondo. Quanto ao segmento norte, já desaparecido, postava-se um torreão hexagonal no ponto de inflexão dos muros noroeste e norte e na extremidade situava-se um torreão de secção quadrangular, o primeiro deste sector a ser erguido (na preiamar tinha as fundações dentro de água), posteriormente refor çado, tomando forma circular. Na perspectiva de Gaspar Correia, a muralha norte está figurada com mais um cubelo, o que parece ser uma incorreção que decorrerá de outro erro de representação, o de atribuir dimensões maiores ao segmento mais curto e representar o mais pequeno como o de maior comprimento. Por fim, no muro oriental, lançado, ao que sugerem as fontes, ainda em tempo de Afonso de Albuquerque, erigiuse uma torre hexagonal, que André Teixeira identifica como o baluarte novo, mas que poderá ter sido erguida na campanha de obras de 1525-1528, uma vez que recebeu, em tempo posterior, um reforço estrutural, talvez levado a cabo durante a intervenção dos anos 40, mas necessariamente antes da grande reforma da segunda metade de Quinhentos. Quanto às muralhas, os lanços ocidental e oriental, mais batidos pelo mar, revelavam maior espessura e escarpa acentuada. Mais tarde, ao lado sul, afrontando a urbe, vieram juntar-se dois elementos tipologicamente distintos do restante conjunto (que não surgem no desenho de Gaspar Correia): no vértice do quadrante sudoeste, um baluarte circular e, a anteceder o pórtico de entrada, uma obra avançada de forma oblonga. Uma hipótese bem provável é estas duas estruturas corresponderem ao baluarte redondo e ao baluarte novo, levantados em 1540, tal como defende João Campos. A torre de menagem de 1507 ficou integrada no recinto, localizando-se um pouco para ocidente do enfiamento da entrada, e recebeu mais um piso para se elevar distintamente acima das torres do palácio do rei de Ormuz, que subsistiu até 1539 ou 1540.
A concretização desta vasta obra implicou um esforço de organização notável, a utilização de inúmeros meios e a participação de um elevado número de artífices. Em 1515, tal como procedera seis anos antes, Afonso de Albuquerque toma a seu cargo dirigir e organizar as tarefas e, com a sua presença assídua no estaleiro, incentivar contratados e oficiais ao melhor do seu esforço. Alguns dos trabalhadores especializados deste período estão identificados, como Luís Alvarenga, vedor das obras e Francisco Martins, mestre de obras, António Canarim, mestre de pedraria, e mestre Amet, chefe dos pedreiros. É elucidativo e serve como aferidor o número que se conhece relativo aos homens que ali laboraram no mês de janeiro de 1526: 1.180. A maioria da mão de obra era recrutada localmente, embora uma parte proviesse do Malabar e do Canará. Na pedreira, situada na outra ponta da ilha, o penoso trabalho de extração e o corte da pedra eram executados por muçulmanos autóctones, enquanto a estiva e o transporte em batéis estavam a cargo da gente do mar, sobretudo portugueses. O gesso, utilizado como ligamento, vinha para Ormuz em navios e era cozido em fornos, como a cal, antes de ser aplicado. Foi também utilizada uma técnica construtiva local para os embasamentos em meio aquoso, à base de barro e gesso amassado, que alcançava grande resistência.
Quanto aos arquitetos, em 1515, Tomás Fernandes, o mestre protegido do falecido governador, seria substituído por Gonçalo Évora, e no ano seguinte nomeia-se Francisco Martins. Tem-se conhecimento de que cerca de uma década depois, entre 1525 e 1528 o "mestre das obras de Ormuz" reparava o fosso e um cubelo, aventando Rafael Moreira que sejam desta altura "os originalíssimos torreões hexagonais", apesar de Gaspar Correia afirmar que foram as primeiras estruturas a ser construídas. Em 1540 já estava a decorrer a importante intervenção, a cargo do capitão Martim Afonso de Melo, que consistiu na realização do baluarte novo e do baluarte redondo, os últimos acrescentos que recebeu a fortaleza manuelina. Esta, ao longo do seu tempo de vida funcional, foi continuamente melhorada e atualizada, a fim de responder atempadamente às exigências de segurança e defesa. No seu estádio final, tornou-se numa impressionante visão dissuasora da guerra: um pujante corpo amuralhado, antecedido por um fosso, pontuado por dez torres, com a de menagem a dominar todas as outras, coroado por largos merlões e espaçosas ameias, onde se dispunham, em diversas frentes, as peças de artilharia. No espaço intramuros, edificou-se "o aposento da gente", ou seja, os longos edifícios que se encostaram à muralha, nomeada mente o palácio dos capitães na ala do levante, fundou se a igreja e construiuse a cisterna. A primitiva igreja (c. 1515) ocupou o piso sobradado de um dos torreões hexagonais da entrada, levantando-se altar dedicado a Nossa Senhora da Conceição e fundando-se paróquia com o mesmo orago. O rei enviará expressamente o sino dourado, com os doze apóstolos em baixo relevo, que pertencia à Igreja da Conceição de Lisboa e seria colocado no cimo da torre de menagem. Mais tarde, por volta de 1525, ter-se-á erguido uma igreja mais ampla no seio da praça, pois nesta altura requisitavam-se pregos para os cimbres dos arcos e, meses depois, madeirava-se o chão e cobria-se a igreja com ola. Cerca de um século mais tarde, em 1622, um viajante italiano visita a igreja da fortaleza, que diz estar convertida em mesquita. Hoje, aparentemente, nada resta daquela estrutura.
Quanto à cisterna, uma dependência abobadada aberta no subsolo da praça, que chegou até hoje em bom estado de conservação, tem motivado opiniões distintas acerca da sua função original: alguns autores defendem e outros colocam a hipótese de aquele espaço corresponder à igreja, facto que, diga-se, seria inusitado e único. A estrutura daquela dependência retangular de 19,20 x 60 metros, pontuada por dez robustas colunas que suportam uma abóbada de cruzamento de ogivas, cujo acesso é facultado por uma escadaria em cada uma das extremidades, denota claramente a função para a qual foi erguida: a de cisterna; o facto de não se ter encontrado canalizações para recolha das águas pluviais, argumento por vezes aduzido, não parece relevante, uma vez que a água era trazida em tonéis do exterior de Gerum. A acuidade da questão do abastecimento e armazenamento de água para consumo e para uso doméstico já havia levado Afonso de Albuquerque a ordenar a abertura de duas cisternas, "feitas de baixo do chão, com mui grossos alicerces, e paredes de pedra e barro cubertas com abobadas", fechadas por portas, com capacidade para 4.000 pipas (Correia, 1860, II, p. 446), obra que, em 1516, continuava a decorrer. É provável, face às necessidades, que o espaço original das cisternas tenha sido sucessivamente ampliado, utilizando-se uma secção do mesmo enquanto se procedia às obras. É de notar que, na revolta de 1521, o risco de rebentamento das cisternas demoveu um ataque com artilharia pesada à cidade e terá motivado o implemento de obras corretivas. Em 1524, por exemplo, há notícia de que diversos trabalhadores laboravam na cisterna "à luz de candeias acesas com azeite de coco" (Teixeira, 2008, p. 59). A cisterna existente é de concepção manuelina e constitui um espaço admirável e uno, que foi reestruturado numa só campanha. Rafael Moreira situa a sua construção em 1533 e atribui a traça a Cristóvão Fernandes.