Lat: 9.967083333333300, Long: 76.244016666667000
Kochi [Cochim/Cochin/Santa Cruz de Cochim]
Kerala, Índia
Enquadramento Histórico e Urbanismo
A instalação portuguesa em Cochim ficou acima suficientemente contextualizada - quer no texto inicial, quer no enquadramento desta parte - sendo aqui essencial recordar‐se que estabilizou logo em 1503, correspondendo ao primeiro posto português no Oriente bem sucedido. Porém tal facto, bem como a forma recheada de significados em que tudo decorreu, justifica que aqui se desenvolva o processo de instalação algo mais do que noutras entradas equivalentes, pese embora a parca persistência de vestígios arquitetónicos e urbanísticos. As tentativas iniciais de estabelecimento de relações comerciais com o principal porto da Costa do Malabar, Calecute (hoje Koshikod), resultaram não só infrutíferas como no desenvolvimento de uma fortíssima e durável animosidade entre as partes. A feitoria portuguesa, ali instalada em finais de 1500 - em casas para tal cedidas pelo samorim no âmbito de um acordo dificilmente logrado por Pedro Álvares Cabral - desde logo foi boicotada através da recusa em fornecer‐lhe especiarias e, depois, atacada e arrasada numa ação de que resultou a morte do feitor e de muitos dos seus homens, entre os quais o célebre Pêro Vaz de Caminha. Foi a reação pronta a um ataque que os portugueses fizeram a um dos navios fundeados no porto. Esse ambiente de provocação mútua, em ambiente crescente de parada‐resposta, foi instigado pelos mercadores muçulmanos nativos ou ali instalados, os quais viam ameaçada a sua atividade centrada na exportação de especiarias para o Mar Vermelho e, assim, para a Europa. O processo foi tão rápido que coube ainda àquele almirante português não só assistir ao ataque, como retaliar sob a forma de um feroz bombardeamento ao porto e cidade. A quarta armada e segunda comandada por Vasco da Gama ainda abordou Calecute com vista ao estabelecimento de relações comerciais, mas o resultado foi uma ainda maior animosidade. Sob a ação imediata de Pedro Álvares Cabral, os portugueses voltaram‐se desde logo e definitivamente para um súbdito, Una Goda Varma Koil Tirumulpad, rajá de Cochim, porto rival de Calecute, cidade situada a cerca de uma centena e meia de quilómetros a sul, em plena Costa do Malabar, capital de um pequeno território. Já no dobrar de 1500 para 1501, chegado precisamente da liça de Calecute, Pedro Álvares Cabral encontrou ali um excelente acolhimento. O soberano local jogava forte para se libertar da suserania de Calecute, no que foi seguido por outros como o de Cana‐ nor (cerca de oitenta quilómetros a norte de Calecute) e Coulão (cerca de cento e vinte e cinco quilómetros a sul de Cochim). Em pouco tempo a sua estratégia levaria à superação do que por certo imaginara, pois o comércio com os portugueses fez de Cochim o principal entreposto comercial do Malabar, estatuto que ainda hoje conserva e desenvolve, sendo Calecute uma pálida sombra do que foi. Segundo Gaspar Correia nas suas Lendas da Índia, "ElRey [de Cochim] deu grandes casas ao feitor" da armada de Pedro Álvares Cabral, nas quais se negociou o necessário para encher as naus de especiarias. Os procedimentos foram rápidos, pois o samorim de Calecute pusera uma esquadra a caminho para impedir o negócio. Com o apoio do soberano local, a armada portuguesa rapidamente se fez ao mar de regresso a Lisboa, deixando no local um pequeno grupo de feitores que não só foram preparando a carga da próxima armada, como desenvolveram a instalação. Assim o confirmou a armada seguinte, capitaneada por João da Nóvoa, que ali carregou na primavera de 1502. O que até aqui se relatou não chega para um entendimento cabal da geografia da zona. Trata‐se de uma costa muito baixa, recortada e repleta de rios, na foz dos quais despontaram os principais núcleos urbanos. No território do então reino de Cochim acrescenta‐se a tudo isso um conjunto e extensão consideráveis de ilhéus e canais interiores - as backwaters - onde ainda hoje a navegação é mais fácil que os percursos por terra. Esse meio aquático é sazonalmente invadido pelas águas das enxurradas da monção, as quais ali se fundem com o mar que enchem dos detritos vegetais das montanhas, os Gates. Toda a área é coberta por uma vegetação exuberante e densa, que invade e refresca os centros urbanos mais densos. Cochim reduzia‐se então a um pólo urbano virado para o principal desses canais, o paralelo à linha de costa, situando‐se a cerca de quilómetro e meio da principal das cinco barras por onde esse sistema interior comunicava com o mar. O estabelecimento português deu‐se precisamente ao longo dessa barra da banda de sul, o que deu origem à referência em muita documentação a uma Cochim‐de‐Cima e uma Cochim‐de‐Baixo, hoje integradas, o que também aconteceu em Chaul e Baçaim, na Província do Norte. Entre ambas as Cochins desenvolveu‐se uma relevante judiaria, onde se instalaram com liberdade muitos cristãos‐novos portugueses, a qual ainda hoje persiste. Porém o atual sistema urbanístico‐territorial de Cochim é ainda bem mais complexo do que isso, pois do outro lado do canal, em terra firme, despontou Ernakulam e, no meio, partindo de um banco de areia, a colonização inglesa desenvolveu uma ilha, Willingdom, onde hoje está o aeroporto e parte determinante da infraestrutura portuária da metrópole Cochim‐Ernakulam. No local do outro lado da barra, designado Vaipim (Vypim), os portugueses viriam a instalar algumas estruturas, designadamente uma residência episcopal e uma paróquia. Cochim‐de‐Baixo ou Santa Cruz de Cochim é hoje uma área significativamente designada por Fort Kochi, sendo ainda bem evidente a estreita linha de água que a delimitava por sul e, assim, a separava das terras de Cochim‐de‐Cima, hoje o bairro de Mattancherry. A cidade portuguesa ocupava uma mancha segundo uma elipse muito irregular, cujos eixos maiores mediam cerca de 1.600 e 450 metros. Com a já referida visita, exclusivamente comercial, da armada de João da Nóvoa, ficaram na feitoria mais uma meia dúzia de homens, os quais prepararam a carga que a segunda armada de Vasco da Gama ali foi buscar. Pouco depois da sua partida e perante o reforço crescente dos laços comerciais entre os portugueses e Cochim, o samorim de Calecute ocupou a cidade, refugiando‐se os portugueses e o rajá em Vaipim, situação com a qual se deparou Francisco de Albuquerque ao ali chegar em 1503. Dias depois, chegou a outra parte dessa quinta armada, capitaneada pelo seu primo Afonso de Albuquerque. Era tempo de se segurar Cochim e o seu soberano, pois isso significava segurar a primeira e principal base logística portuguesa no Oriente. Foi assim fácil obter autorização para a construção de um forte, que designaram de Manuel, o qual tinha em primeira linha ao longo da barra uma tranqueira, que também aconchegava a feitoria e uma igreja, de São Bartolomeu, e um espaço vazio para a ribeira, ou seja, o porto. A tranqueira teria algo como uns impressionantes quatro metros e meio de espessura e nas extremidades duas plataformas para artilharia, esboços do que viriam a ser baluartes. Tudo feito em madeira, palma e terra de enchimento, não só pela urgência e gradualidade, mas também pela ausência de pedra no local e imediações. Coube a Gaspar Correia descrever com algum detalhe e simbolismo o momento de fundação deste primeiro posto português no Oriente: no dia 27 de setembro de 1503, o rei de Cochim "veo pelo rio com os Capitães [...] e com todos falando mostrou o lugar onde se fizesse, que era a ponta de hum palmar de terra alagadiça, que esteiro rodeava d’ágoa do mar, que ficava como Ilha. Onde logo o Capitão mor [Francisco de Albuquerque] tomou huma enxada, e cavou, dizendo «Em nome e louvor da fé de Christo, que cavando se descobrio a Sancta Vera Cruz, que Nosso Senhor quis mostrar a Sancta Elena». E cavando, e outros tirando a terra, fez uma cova em que se metteo hum pao, e outra cova fez o feitor, e outra Pêro d’Ataide, e outra Duarte Pacheco, nos lugares que ElRey mostrou, que ficarão em quadra, e de dentro grande campo, [...] e com muytos carpinteiros fizerão huma grande estacada pólo rio, do cairo que ElRey posera, e por fora fizerão outra, e entulharão de terra e rama antre huma e outra, que terão duas braças de largo. [...] e da tranqueira ao longo do rio ficou grande praça para a ribeira, e por derredor das casas assim muyto campo". Segundo Fer‐ não Lopes de Castanheda, a estrutura teria um perímetro interior livre de cerca de vinte metros e fosso em redor, ao qual se seguia uma área desmatada, uma esplanada. Forte Manuel foi inaugurado em festa a 1 de novembro de 1503, dia de Todos‐os‐Santos. Embora muito modesto e dele nada reste, não podemos deixar de aqui o celebrar como a primeira cons‐ trução portuguesa no Oriente. Ali se estabeleceu uma guarnição permanente, sendo o espaço vedado à frequência de quem não fosse reinol. Com a partida da armada dos Albuquerques, ficou como capitão de Cochim Duarte Pacheco Pereira, que teve grande azáfama para repelir os sucessivos ataques lançados pelo samorim de Calecute, ao que parece então também assessorado por dois italianos. Recorde‐se como a nova rota para o tráfego das especiarias também arruinava os mercadores italianos, que até então eram o último elo da cadeia que transportava aqueles produtos do Golfo Pérsico e Mar Vermelho para a Europa. Essa defesa foi essencialmente produzida nos canais de acesso ao território, não tendo então os ataques chegado à(s) cidade(s) de Cochim. Além de outras estruturas precárias (estacadas, correntes, etc.), a meia légua rio acima foi erguida uma torre que perdurou, designada na documentação como Castelo‐de‐Cima. Entretanto, erguiam‐se ali outras estruturas de apoio ao trato com os portugueses. O primeiro vice‐rei, Francisco de Almeida (1505‐1509), teve a incumbência de reforçar o dispositivo defensivo, erguendo sobre o primeiro forte em madeira e palma um forte em pedra e nas imediações um pequeno hospital e tercenas. O forte era quadrangular e com torres nos cantos e foi erguido com o concurso dos pedreiros Pêro Vitorio, Gaspar Pereira e João Banha, este carpinteiro, todos da armada do vice‐rei. Já com uma série de alterações - a grande maioria das quais produzidas por Afonso de Albuquerque durante o seu governo - e com outras funções (alfândega, cadeia, casa da câmara, casa do capitão), surge representado no desenho de Cochim do álbum de António Bocarro e Pedro Barreto Resende (c. 1635) que, com as legendas que surgem na respectiva cópia publicada por Manuel de Faria e Sousa e, essencialmente, pela matriz de ambos nas Plantas de Praças das Conquistas de Portugal... de Manuel Godinho de Erédia (1610), é um dos dois mais reveladores retratos portugueses da cidade. Ao ponto do irreconhecível, os holandeses transformaram o forte na magnífica estrutura que hoje alberga uma conhecida empresa de trading a meio da barra de Cochim. Com o governo do Estado da Índia por Afonso de Albuquerque (1509‐1515), o processo de expansão da Cochim portuguesa tornou‐se evidente e constante. É de assinalar o seu empenho e dificuldades na construção de uma primeira igreja em pedra - três naves com cruzeiro, capelas abobadadas, coro sobre a entrada e uma torre sineira ao meio da fachada - a matriz da evocação da Santa Cruz, a qual estava finalmente em construção avançada em 1514. Situava‐se imediatamente a poente do forte e definia à ilharga sul uma praça, onde pontificavam o pelourinho, a torre do forte onde se instalou a Câmara, o Palácio Episcopal a poente e a Misericórdia a sul. Em suma: o conjunto completo das instituições que habitualmente definiam a centralidade urbanística das cidades portuguesas de Quinhentos. A esse processo de gestação e crescimento urbanísticos opuseram‐se sempre dois obstáculos relevantes: a ausência de pedra nas imediações e a má qualidade da trazida do interior, o que levou a que muitos fossem os carregamentos em naus; o imperativo de agir com todas as cautelas e diplomacia para não levantar suspeitas de soberania ao rei local que, pelo menos formalmente, continuou a ser o detentor de todo o espaço ocupado pelos portugueses. Mas Cochim‐de‐Baixo foi ganhando expressão e dimensão, autonomia funcional e complexidade, tornando‐se gradualmente uma cidade portuguesa, estatuto que adquiriu em 1527, quando lhe foi instituído município, com direitos idênticos aos de Évora. No Livro das Cidades, e Fortalezas... (1582) lê‐se "Que por razaõ do trato dos Portugueses e com o nosso favor foy pello discurso do tempo crecendo demaneira em grandeza do pouo, e em sumptuosidade de edeficios, templos, e casas de nossos naturaes (de que viuem nella muitos de assento) que he ao presete a mayor e mais rica cidade da India depois de Goa [...] A qual he da nossa jurdição, gouernada pellas leis e ordenaçoes de Portugal, como cada hu ̃ a das cidades delle: e todos os moradores della, assi Mouros, como Gentios, e Christãos da terra são sogeitos e gouernados per ellas: e Cochi de cima he da jurdição do Rey della". As estruturas portuárias, incluindo os armazéns e peso das especiarias e um pequeno forte, estavam mais dentro, pois as fortes correntes de maré na barra dificultavam a manobra das pequenas e abarrotadas embarcações de mediação. Foi essa necessidade que ditou o alongamento da forma urbana para nascente, fazendo com que a área urbana que veio a ser cintada por uma muralha atingisse a inusitada expressão de cerca de 54 hectares, mais do dobro da que tiveram cidades da Província do Norte (Chaul, Baçaim, Damão). Perto daquele bazar e peso instalar‐se‐iam os agostinhos. Alguns portugueses habitavam fora do perímetro português, surgindo também desde bem cedo por aí algumas igrejas (São Tomé, Nossa Senhora da Graça, São Lázaro, Nossa Senhora da Vida). Aliás, os missionários já então espalhavam pelo território pólos católicos, cuja expressão é hoje muito evidente. Claro que o processo de crescimento urbano foi aditivo e, assim, sem um modelo urbanístico formal. Aliás, nem sequer se pode dizer que durante os primeiros anos fosse clara a ideia de construção de uma cidade, como ocorreria em alguns outros locais posteriormente. Aprendia‐se então o Império, e fôra a necessidade que levara à construção e desenvolvimento de um núcleo urbano português. Não tivesse ocorrido a oposição do samorim de Calecute e talvez nunca os portugueses tivessem erguido as estruturas urbanas e edificadas que ergueram no Malabar, ou mesmo instalado um tão grande número de efetivos. Só na área mais a poente, já sobre o mar e por tudo isso decerto a ocupada mais tardiamente, se encontrava uma morfologia urbana denunciando um planeamento prévio, um "caseamento" similar ao que já há muito em Portugal e um pouco por toda a Europa se produzia nas "vilas novas", mais do que regular, claramente regulado. Por ali se instalaram os franciscanos (Santo António, 1518, com profundas reformas em 1580), os jesuítas (1549 1561), e os dominicanos (1557), algo mais para dentro. Por razões já abordadas noutros textos, em 1530 a capitalidade portuguesa no Oriente passou de Cochim para Goa, o que não teve um impacto na cidade tão grande quanto à primeira vista poderá parecer. Na rea lidade, Santa Cruz de Cochim não poderia ter crescido muito mais sem que isso tivesse gerado problemas de relacionamento com o soberano local, o maior aliado de sempre dos portugueses no Oriente, relação que era fundamental para que as especiarias continuassem a afluir aos armazéns portugueses. Para além do mais, além de irem a Goa, as naus da Carreira da Índia continuaram a frequentar a cidade, bem como quase todo o tráfego que do ExtremoOriente (Malaca) rumava a Goa. Os desenhos portugueses acima referenciados, a par com os levantamentos e desenhos efetuados pelos holandeses logo após a tomada de Cochim em 1663, permitemnos ter ideias razoavelmente claras sobre a configuração geral da Cochim portuguesa, a localização dos principais marcos urbanos e conjugar tudo isso com a morfologia atual. Além das estruturas já referi das, surgiu o Hospital dos Pobres e, importa referilo, uma lista impressionante de igrejas a juntar às exteriores, à Matriz (depois Sé), à Misericórdia, às conventuais e a São Bartolomeu: Nossa Senhora de Guadalupe, São Sebastião, Nossa Senhora da Guia, Nossa Senhora do Amparo, Nossa Senhora da Piedade, Santa Bárbara, Nossa Senhora dos Anjos e Anunciada. Um total de quinze igrejas, para uma cidade com uma área algo em torno dos cinquenta e quatro hectares. Porém, a presença holandesa obliterou quase total mente a imagem da cidade portuguesa, o que é muito claro na igreja franciscana, primeiro panteão de Vasco da Gama e onde subsistem alguns registos inequívocos da arquitetura manuelina, quiçá das mãos do primeiro mestre português de pedraria estacionado na Índia, Tomás Fernandes. Do convento e do seminário anexos, cuja construção só estaria concluída em 1552, apesar de iniciada de imediato, hoje nada de significa tivo se pode encontrar. À exceção desta Igreja de Santo António, que depois de um incêndio renovaram em 1779, os holandeses destruíram ou transformaram pro fundamente todos os templos católicos da cidade. A Matriz de Santa Cruz, erguida em catedral com a criação do bispado em 1557 - e que sofrera uma reforma profunda no início dessa década - desapareceu sem outro rasto que a invocação, pois a atual basílica e sede episcopal de Santa Cruz resulta da transformação da irreconhecível estrutura dominicana. O conjunto jesuíta foi arrasado ao ponto de o local ser hoje um terreiro de jogos. Significativamente, também em 1557, os portugueses ofereceram ao rei de Cochim um palácio construído de raiz no meio da sua capital. É hoje conhecido como Dutch Palace ou Mattancherry Palace, pois os holandeses alteraramno significativamente, não sendo claro se o essencial do seu partido arquitetónico - dois pisos e um pátio central onde foi implantado um templo hindu - é de matriz portuguesa. No jardim fronteiro existem ainda algumas molduras de vãos de lavra manuelina. No texto inicial do volume e no de contextualização desta subregião, ficou claro como o declínio do Malabar português e a sua conquista pelos holandeses decorre no âmbito de um inevitável processo de opções, face ao gigantismo do Império e às ameaças crescentes sobre os seus mais diversos postos. É nesse amplo contexto que temos de interpretar as razões habitualmente invocadas para o facto de Cochim não ter sido fortificada, como o foram outros postos que continuaram sob soberania portuguesa após o grande assédio holandês: a Província do Norte, Goa e Macau, para apenas referir o que está compreendido no âmbito geográfico deste volume. Para além das dificuldades materiais - pedra, homens e dinheiro que lá se foram arranjando para outras situações análogas - também não houve um especial empenho em demonstrar ou impor ao soberano local a necessidade de fortificar de forma eficiente, o que teria sido obviamente possível, até por que de imediato o fizeram os holandeses, recorrendo à solução de atalho. Porém, projetos e assistência técnica não faltaram, pois estão documentados para João Baptista Cairato, Júlio Simão e António Pinto da Fonseca, três dos mais distinguidos engenheiros militares do Estado da Índia. Alguns desenhos e a documentação que a tal se refere entre 1589 e 1613 permitemnos saber que já existia um ou outro baluarte, os quais seriam integrados e reformados numa nova estrutura perimetral. Tirando a frente para o mar e um ou outro ponto onde efetivamente se ergueram cortinas e baluartes atualizados, o circuito fechouse com base em muros simples, alguns de vedação de quintais. O desenho de Erédia (1610) acima referido apresenta nos o único testemunho de um grande baluarte sobre o mar, já arruinado. No fundo, à data da conquista holandesa, 1663, a fortificação era pouco mais do que simbólica. O processo do imediato empenho holandês em fortificar a cidade revela também um outro aspecto fundamental: o perímetro era enorme - cerca de 3.750 metros - para a densidade urbana em presença. A ordem expedida da sede da VOC em Batávia (Jacarta), com desenho que se conserva, foi a de se erguer no centro um pequeno forte quadrado com baluartes nos ângulos, arrasando a cidade em redor. No fundo, pretendia‐se um entreposto comercial fortificado, não uma cidade e muito menos missionar. Ordens idênticas foram expedidas de Batávia para Malaca, Colombo e Negapatão, por exemplo. O comandante holandês no terreno, Van Goens, objetou argumentando que o custo da destruição de um tão grande número de igrejas e casas, bem como da abertura de um fosso em redor do novo forte seria excessivo, sendo que esse forte seria, mesmo assim, de fácil assédio. Bateu‐se por um forte maior, com cinco bastiões orientados e molhados pelo mar e pelo canal e encostado aos terrenos pantanosos que tantas dificuldades lhes haviam levantado no ataque. No fundo, era uma muralha urbana abaluartada, não um forte, que recorria ao vulgar processo de atalho. Reduzia‐se a área urbana, deixando de fora e, assim, arrasando alguns conjuntos conventuais, ação que os portugueses jamais poderiam ter logrado empreender. Apesar da relutância expressa das autoridades batavas, o projeto proposto por Van Goens foi implementado, não sem que o orçamento inicial derrapasse para o dobro e a eficácia defensiva não tivesse sido arduamente criticada. Quando olhamos ambos os desenhos e as magníficas e detalhadas vistas de Philippus Baldeus publicadas em 1672, pelo menos dois factos podem causar‐nos admiração: as autoridades máximas da VOC deveriam estar certas; apesar de o projeto executado ter, mesmo assim, arrasado parte da cidade portuguesa e alguns dos seus principais edifícios, a insistência de Van Goens logrou conservar muito da antiga cidade de Santa Cruz de Cochim, que nessas vistas surge densa e monumental, provavelmente algo mais do que alguma vez terá sido. Entretanto, muito mais se perdeu, incluindo quase todo o edificado, mas a morfologia urbana atual oferece ainda muitas oportunidades de pesquisa a quem nela queira encontrar evidências da arquitetura e urbanismo portugueses da sua fundação. O património de origem portuguesa em Cochim é claramente urbanístico, por isso imaterial, mas muito expressivo da história da primeira sede da presença portuguesa no Oriente. Por solicitação do bispo, a Fundação Calouste Gulbenkian financiou a construção de um edifício nos jardins do Paço Episcopal expressamente projectado para albergar o Museu Indo‐Português (que também organizou). O Museu é essencialmente dedicado a meio milénio de arte sacra produzida na diocese.
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