Ceuta/Sebta

Lat: 35.888300000000000, Long: -5.316300000000000

Ceuta/Sebta

Norte de África, Espanha

Enquadramento Histórico e Urbanismo

O território de Ceuta é uma península, no lado sul do Estreito de Gibraltar, que termina no Monte Facho, onde nasceu um aglomerado e se vigiava o mar desde tempos imemoriais. A sua estrutura geológica é idêntica à do lado norte do Estreito, comprovando que as duas formações terrestres eram unas. A abertura da passagem marítima, por ação da natureza, originou uma descontinuidade que o homem só podia ultrapassar com meios aquáticos. Por outro lado, a ligação do Mediterrâneo com o Atlântico foi sempre um desafio para os povos que viviam em torno deste antigo mar interior.
A pequena península de Ceuta tem uma orientação quase nascente/poente. O morro e o istmo medem, no seu conjunto, cerca de quatro quilómetros de comprimento, com uns escassos duzento e sessenta metros de largura no ponto mais estreito. De solo rochoso, tem o ponto mais elevado no alto do Monte Facho, a uma altitude de cento e oitanta e seis metros. Este local possui excelente capacidade de observação sobre o Estreito de Gibraltar. Por sua vez, o controlo desta plataforma permitia alargar a área de vigilância em torno da povoação que se desenvolveu no seu sopé. Já a observação terrestre fazia‐se a partir de uma colina, no território continental, oposta ao Monte Facho, do outro lado do istmo em que se encontrava a cidade.
Existem duas baías ladeando o aglomerado urbano. A norte situa‐se a chamada "Baía de Ceuta", voltada ao Estreito de Gibraltar, de maiores dimensões e com boas condições de fundeadouro. A sul há outra pequena baía, bastante desabrigada, com algumas limitações de calado. A profundidade do estreito é variável, oscilando entre cerca de duzentos e oitenta metros, no Umbral de Camarinal, e quase mil, nas proximidades da Baía de Algeciras. A largura mínima é de 14,4 quilómetros, medida entre Punta de Oliveros, em Espanha, e Punta Cires, em Marrocos.
Os ventos, que atingem com frequência os cento e dez quilómetros por hora, causam uma forte ondulação. Os navios à vela têm que ser manobrados com mestria. A história regista que as galés portuguesas envolvidas na conquista de Ceuta, em agosto de 1415, tiveram que esperar, frente à cidade, pela restante frota, à vela, inesperadamente empurrada pelo vento para Málaga. Por outro lado, as correntes marítimas chegam a atingir mais de três nós (cerca de 5,5 quilómetros por hora). Para agravar as dificuldades de navegação, há que contar também com as frequentes neblinas.
Através do Estreito de Gibraltar ocorre o intercâmbio de águas entre o Atlântico e o Mar Mediterrâneo: as águas superficiais, relativamente frias e menos salinas, provenientes do Atlântico, entram no Mar de Alborão, sobrepondo‐se às águas profundas, mais quentes e salinas, que saem do Mediterrâneo. Por isso, as fortes correntes variam ao longo do dia, sendo causa de frequentes acidentes de navegação.
A fundação de Ceuta é lendária. Na Descrição Geral de África de Luís Carvajal, publicada em 1599, é atribuída a um neto de Noé, duzentos e trinta anos após o dilúvio. A mitologia antiga pouco ajuda a esclarecer. Na descrição das Colunas de Hércules, a Ceuta primitiva aparece‐nos com o nome de Abila. Porém, o grego Ptolomeu chamava‐lhe Essilisa, na sua Geografia. Este povo chegou ainda a denominá‐la por Eptadelfos, devido às sete colinas que caracterizam o local. Os romanos tê‐la‐ão apelidado de Septem Fratres, que significa "sete irmãos". O geógrafo hispano‐árabe Juan de Leon, o Africano, considerava esse povo o fundador da cidade. Abrahão Ortelio, nas Tábuas Geográficas, localizou‐a no Fretum Gaditanum.
Se para tempos mais recuados a sua localização estratégica faz supor que tenha sido um local de passagem, anterior à fixação de um povoado, é difícil atestar quando e por quem terá sido fundado. Escavações recentes revelaram testemunhos da presença humana no território de Ceuta, localizados no abrigo de Benzú, que remontam há cerca de 270.000 anos. Trata‐se de um abrigo ocupado ocasionalmente por comunidades de caçadores‐recoletores. A escassos metros encontra‐se uma gruta, utilizada por grupos neolíticos durante o sexto milénio a.C..
Está provado que o povoado de Ceuta foi fenício, com vestígios de habitações junto à atual catedral, e, depois, grego. Fez parte da república de Cartago desde o século IV a.C., sendo tomada pelos romanos nas Guerras Púnicas, duas centúrias depois. Nesta fase passou a estar integrada na Numídia, governada por Juba II, enquanto estado vassalo de Roma, até que em 40 d.C. entrou na sua administração direta, aquando do assassinato, por ordem do imperador Calígula, do seu último monarca. Foi agregada ao convento jurídico de Cádiz em 69 d.C. Ainda sob a administração romana, Ceuta chegou a capital da província da Mauritânia Tingitana.
Conhecem‐se vestígios romanos desde o século I a.C., durante o período do protetorado. Potes, ânforas de barro e anzóis, encontrados nas ruínas de uma estrutura que se julga ter sido de uma antiga fábrica de salga, próxima da atual Praça de Nossa Senhora de África, dão corpo à ideia de que se tratava de um importante povoado de pesca, no qual a caça da baleia se assumia como uma atividade preponderante. Para a dominação romana mais tardia, dos séculos IV/V, foram também detectadas vestígios de indústria cerâmica e do vidro, assim como algumas casas.
No período das invasões bárbaras ao Império Romano, em pleno século V, ali desembarcaram 80.000 vândalos, vindos da Península Ibérica, sob o comando de Gensérico, e fundaram naquela região o seu reino. Desconhece‐se a data da primeira tomada pelos visigodos, já que a cidade viria ainda a fazer parte das conquistas do imperador bizantino Justiniano, no século VI. Os visigodos retomaram‐na nos inícios do século VII, durante o reinado de Sisebuto.
No início do século VIII, o conde visigodo Julião era governador de Ceuta quando pediu apoio aos muçulmanos para combater a facção do rei Rodrigo, no território da Península Ibérica. Submetidas pelos sarracenos, comandados por Muza, as cidades de Arzila e Tetuão, Ceuta ter‐se‐á entregue, por força ou por traição do conde Julião, seu governador. Em 740, durante uma rebelião berbere em Marrocos contra o poder árabe que dominava desde Damasco, o povoado é destruído. Uns cinquenta anos mais tarde, Ceuta é tomada pela dinastia marroquina dos idríssidas. O califa de Córdova Abd’al Rahman III foi chamado, em 931, a exercer uma espécie de protetorado sobre Marrocos, sendo o seu primeiro cuidado construir, ocupar e fortificar Ceuta e Tânger. A primeira, em especial, serviu de posto de embarque e base de operações nas guerras que se seguiram, entre as formações cristã e muçulmana, na Península Ibérica.
O almóada Abde Almúmene conquistou Ceuta antes de enviar as suas tropas para a Península, mandando‐a fortificar, assim como a Gibraltar. Das centúrias de XI e XII, estão a descoberto uma casa e uma rua, bem como uma estrutura que se julga ter sido um poço ou uma fonte. Ceuta figurou, então, nas insubordinações com que terminou o domínio dos almóadas. Do século XIII conhecem‐se algumas estruturas com muros de tijolo e alvenaria, talvez casas, ao redor de um cemitério do século XVII/XVIII, na Almina.
Os islâmicos da Península, auxiliados por uma frota aragonesa, apoderaram‐se de Ceuta nos inícios do século XIV. A povoação esteve, depois, nas mãos ora de outros muçulmanos peninsulares, ora de marroquinos, até 1415. Neste ano, em que se dá a conquista portuguesa, era a dinastia merínida que, fragilizada por uma turbulenta guerra civil, reinava em Marrocos.
A descrição de Ceuta, por Mohâmede ben Alcácime, foi terminada em 1422, sete anos depois da chegada dos portugueses o ter desalojado da sua cidade. Nessas páginas, enumera os notáveis daquela urbe, que descreve como sendo mais opulenta do que realmente era, num tom saudosista e fatalista que atesta a dor da separação. Esta é a descrição física pormenorizada mais antiga que conhecemos.
O autor afirma que os rebates e azóias eram ao todo quarenta e sete. Encontravam‐se frente ao mar, nas costas sul e norte, no interior da cidade e nos arrabaldes. Fora da cidade erguia‐se o Rebate Acçaide, edifício quadrado, de construção sólida. A Azóia Grande situava‐se à saída da Porta de Fez, para os viajantes ou quem quer que se visse na contingência de ser albergado nas imediações.
Até uma distância de doze milhas, tanto no exterior como à beira dos dois mares, existiriam dezoito fortes. Destaque para a Atalaia Grande (construída pelos almorávidas) que, isolada em frente da cidade que defendia, assentava no monte sobranceiro ao porto. Daqui se avistavam as duas costas (do Estreito e do Mediterrâneo) e dominavam‐se ambos os lados do Estreito (o Rife e a costa de Málaga).
O autor diz que em Ceuta eram duzentas e cinquenta as ruas, excluindo as que já haviam desaparecido e se encontravam no Fosso Grande. Descreve com sumptuosidade a dos principais habitantes, tida como o modelo de rua, plena de palácios, grandes fábricas, banhos públicos, "dividindo" essa via a cidade em duas partes iguais. A maior parte das ruas tomava o nome dos homens de ciência que aí habitavam. Terminavam quase todas em beco.
A cidade estava marcada pela existência de uma quantidade considerável de edifícios e infraestruturas. Existiam vinte e dois balneários públicos. O banho do alcaide era o principal e de maior fama. Podia conter centenas de pessoas. Era bem arejado e assente em colunas de mármore, tendo o grande tanque com o bordo elevado e uma fonte em taça, alimentada por um cano inserido na coluna central. Podemos imaginar como seriam os banhos públicos, porque estes prevalecem nas cidades islâmicas.
A atividade comercial seria intensa e exótica, já que ali convergiam rotas do Levante e da África Subsaariana. No dizer do autor, a cidade tinha setenta e quatro mercados, dos quais três eram nos arrabaldes. O maior era o dos attarine (perfumistas ou droguistas). Eram também notáveis os mercados de alimentação, frutas e matérias gordas. Existiriam, além disso, vinte e quatro mil estabelecimentos comerciais. Trinta e um quarteirões eram de tecelões e negociantes de sedas. Existiam muitas fábricas de armas, vinte na rua principal e vinte nos bairros habitados por mestres e operários. As estalagens eram inúmeras, talvez trezentas e sessenta. Eram construções de dimensões avantajadas. Na Estalagem Rânime existiam cerca de oitenta divisões em três andares. Dizia‐se que este edifício era do tempo dos almorávidas.
As infraestruturas eram abundantes. Havia talvez trezentos e sessenta fornos, números certamente simbólicos, pois devem significar "grande quantidade". Existiam vinte e cinco fontes em Ceuta: uma das mais famosas destinava‐se aos animais. Encontrava‐se junto ao poço da Almina. Existiam também anexos destinados às abluções, normalmente junto das mesquitas. Os silos destinados a cereais eram aos milhares. O autor referia ainda os armazéns da estalagem grande e os depósitos da fortaleza, onde o trigo permanecia sessenta anos sem se deteriorar devido à ventilação com ar seco e à posição no alto da colina. A situação seria semelhante a Toledo. Tinha ainda a cidade cento e três moinhos. O número de arrabaldes chegava aos seis.
No que se refere à estrutura defensiva, a descrição é impressionante. Tinha cinquenta portas, sendo a mais notável a Porta Nova. Incluindo as portas da traição, passagens subterrâneas, as que se abrem nos parapeitos e barbacãs e as dos arrabaldes, o número subia para setenta e quatro. Esta soma só é possível se considerarmos que a maioria eram portas dos recintos interiores. A muralha voltada ao mar tinha, com toda a certeza, um número mais limitado de portas. Existiam numerosos campos de exercício, destinados aos arqueiros e besteiros, que seriam quarenta e quatro, nove dos quais só na Almina. Na Almenara existiam dezasseis carreiras de tiro, enquanto na Alcáçova apenas uma. Toda a gente, desde nobres a populares, sabia manejar bem a besta. Havia vinte e cinco casas‐fortes protegidas por muralhas, torres e portas.
O que caracteriza o domínio português de Ceuta (1415‐1640) é a adaptação da praça a um novo tipo de vivência, que se vai refletir de forma progressiva nas estruturas militares, civis e religiosas. A sua tomada, por D. João I, provocou uma alteração radical na relação com o espaço territorial, e até marítimo, em que estava inserida. A cidade, essencialmente comercial, que se ligava por via terrestre com o restante espaço marroquino, passa a ser prioritariamente uma praça de guerra, em que a guarnição tinha que fazer face a uma frequente confrontação dos muçulmanos, seus inimigos políticos e religiosos. A cristianização do espaço pela construção de edifícios religiosos foi suplantada pelo esforço da fortificação. Foi a melhoria das condições de defesa militar o que mais veio a marcar o período português, prevalecendo no entanto a geografia militar como condicionante principal. Para defender a cidade, o poder terrestre tinha que ser complementado com capacidade naval.
Ceuta foi sempre um local estratégico. Era um ponto nevrálgico que permitia a vigilância da navegação no Estreito de Gibraltar e o controlo da travessia entre a África e a Europa. Durante séculos foi também uma importante cidade comercial, que permitia a troca de produtos envolvendo os povos magrebinos e o comércio marítimo do Mediterrâneo Ocidental. Tem uma herança cultural muito rica, por ter sido controlada por uma sucessão de povos e nações que foram adaptando a sua estrutura física e geográfica. As várias funções que aquele espaço desenvolveu, sempre fortemente condicionadas pela sua geografia militar, estruturaram uma identidade rara. Como local dominante de um dos mais importantes estreitos do planeta, teve um destino muito específico. Permanece rodeada de lendas que cruzam as culturas. A sua herança está, infelizmente, em parte sepultada pelo intrusivo desenvolvimento urbano do século XX. Por ser uma ponte entre dois continentes, sofre ainda a pressão das populações africanas, que querem entrar no espaço europeu, e a pretensão do governo marroquino de incluir o território na sua soberania.
O legado de Portugal está muito presente no domínio do simbólico. As armas portuguesas permanecem na bandeira da cidade, apesar da integração na coroa espanhola, pelo Tratado de Lisboa de 1668, que pôs fim à Guerra da Restauração. Foi a própria cidade que, em 1640, se manteve em obediência a Filipe IV de Castela, não reconhecendo a autoridade do duque de Bragança, então aclamado rei em Portugal. O monarca de Castela atribuiu‐lhe por esta decisão o título de Fidelíssima. É hoje um território autónomo dentro do Estado Espanhol.
Em termos de património edificado, a cidade oculta séculos e séculos de ocupação humana, cujos fundamentos se encontram sepultados pelos edifícios que hoje observamos. A cidade, muito modernizada nas últimas décadas, perdeu em parte a sua ambiência histórica. Conserva inúmeros vestígios dos povos e das culturas que por ali passaram. No que se refere à herança portuguesa, para além de restos das fortificações que compunham a Praça‐Forte (alguns troços das antigas muralhas, do fosso e um baluarte sobre a praia), são visíveis as igrejas de Santa Maria de África (para albergar uma imagem do mesmo nome, foi construída na primeira metade do século XV), do Espírito Santo, de São Sebastião, de Santo António, o edifício do antigo Convento de Nossa Senhora do Socorro, entre outros.
Outros locais de interesse histórico são as Muralhas Merínidas (construídas pelos emires da dinastia merínida entre 1307 e 1310; incluem as torres gémeas que marcam a monumental Porta de Fez), a Catedral (instituída pelos portugueses na antiga mesquita, foi reconstruída no século XVII sob a invocação de Nossa Senhora da Assunção) e o Castelo do Desnarigado (uma fortaleza dos séculos X a XVI).
Porque a soberania se afirmou durante séculos neste território destacado da plataforma peninsular, em Ceuta prevalece a imagem da grande Espanha. A toponímia revela esta faceta, que não enriquece a identidade, material e imaterial, da cidade. O aglomerado parece mais castelhano do que muitas cidades do sul de Espanha. As ruas honram nomes da história espanhola. Podemos ler quatro placas com nomes em parte relacionados com Portugal, mas escritas em castelhano. A presença islâmica não é visível.

Arquitetura militar

Arquitetura religiosa

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