Quelimane

Lat: -17.880128001339000, Long: 36.884166998259000

Quelimane

Zambézia, Moçambique

Enquadramento Histórico e Urbanismo

Quelimane passou a ser conhecida dos portugueses com a viagem de Vasco da Gama para a Índia. No encalço de duas embarcações com velas de palma, os portugueses subiram o braço de mar que, da barra de Tangalane, os levou até à povoação, doze milhas para o interior; por isso logo lhe chamaram Rio dos Bons Sinais. Os sinais foram dados aos portugueses por homens "fulos" que pareciam mestiços de negros e mouros; alguns entendiam palavras de "arávigo" (Barros, vol. I, p. 22). Eram os comerciantes árabes que por lá andavam, por lá continuam, e cuja língua é o suaíli. Em Quelimane têm a sua mesquita monumental, as mesquitas periféricas e as escolas corânicas, além dos estabelecimentos comerciais. Mas a povoação seria, nessa época, insignificante: era apenas um entreposto que acolhia o ouro e o marfim provenientes do sertão, Zambeze abaixo, até ao lugar mais tarde designado Boca do Rio, na margem esquerda. Daí partia um canal que fazia a ligação a Quelimane, beneficiando das cheias do Zambeze. A este canal de ligação de Quelimane com o Rio Zambeze foram dados vários nomes, sendo o mais comum Rio Cuácua. Quando, logo a seguir, os portugueses senhorearam Sofala, porto onde estava centrado o escoamento do ouro, os comerciantes árabes desviaram o seu tráfico mais para norte, para Quelimane e Angoche. Atraídos pelo comércio do sertão, nomeadamente pelo ouro e pela perspectiva da prata, a grande via para o acesso às feiras era o Zambeze, onde se chegava via Quelimane ou pelo delta labiríntico, também designado Rio Luabo. A estas vias fluviais e sua região chamaram-se também Rios de Cuama. Frei João dos Santos deixou-nos descrições das viagens que fez por Quelimane e pelos Rios, nas duas últimas décadas de Quinhentos. Na segunda metade de Seiscentos, já estavam identificados os domínios de Sua Majestade ao longo do Zambeze, aos quais se tinha acesso a partir de Quelimane, uma pequena povoação com alguns portugueses pobres e alguns mocoques (goeses); estes goeses e os muanamuzungos (filhos de portugueses e de africanas) enquadravam os achicundas (escravos armados, milícias dos senhores). A povoação seria, nessa altura, um simples chuambo (também aringa), isto é, um conjunto de habitações cercado por uma palissada de troncos de árvores, dentro da qual os portugueses e demais habitantes se entrincheiravam. Em 1727, viviam ali apenas três portugueses reinóis, muito pobres. Uma relação de meados de Setecentos elucida como os comerciantes deste entreposto estratégico circulavam, ao longo do ano, Zambeze acima até Tete, ou Zambeze abaixo até Quelimane, em coches inteiriços de um pau, capazes de carregarem seis ou sete toneladas, e noutros mais pequenos. Comerciantes dos sertões e comerciantes oriundos de Moçambique que até lá tinham ido, para o negócio, em junho, dirigiam-se às minas em fins de julho; mais tarde, desciam até Quelimane, de regresso a Moçambique. Em 1761, Quelimane foi elevada à categoria de vila. A regularidade de comércio terá sido uma das razões para que o lugar, a partir de 1765, tenha passado a ter um "comandante" que também desempenhava as funções de feitor. O termo designava nessa época a autoridade de povoações menores, muitas vezes escolhida e nomeada pelos moradores. Pode daí inferir-se que, naquela data, as dimensões urbanas da vila não eram suficientes para ter um governador. Em contrapartida, na primeira metade da centúria, a nau da Junta do Comércio, que de Goa ia a Moçambique, também aportava a Quelimane. Esta frequência exclusiva em porto subalterno indicia que, nessa altura, a capitania de Rios de Sena já era a maior consumidora dos fornecimentos provenientes da Índia, depois da praça da Ilha de Moçambique. Que a vila estava a ganhar importância, isto é, que seria a segunda povoação, e, certamente, o segundo porto de toda a província, afirma-o a qualidade e o valor da construção da Igreja de Nossa Senhora do Livramento, aí edificada em 1776. A partir de 1781, seria o tráfico de escravos que viria a atrair grande notoriedade sobre o Porto de Quelimane. As perspectivas favoráveis a tal negócio vinham de antes, mas as dificuldades verificadas na abordagem do porto não tinham permitido, até então, a instalação de um tráfico sistemático, ou seja, mais do que uns trezentos escravos, ano por ano fornecidos à Ilha de Moçambique por Rios de Sena. Tendo sido a partir da Ilha de França que o tráfico sistemático de escravos chegou aos portos do sudeste africano, foi também de lá que surgiu uma primeira abordagem de Quelimane nesse sentido. Na década seguinte, constituía já um porto integrado no conjunto dos que alimentavam esse tráfico. Os armadores da praça de Moçambique começaram a frequentá-lo antes; vieram a fixar-se lá depois. Na primeira metade do século XIX, Quelimane suplantava os restantes portos subalternos no valor de mercadorias enviadas a partir de Moçambique. Passou rapidamente a ser um grande porto exportador de escravos. Para isso contribuiu decisivamente o governador local, Manuel Joaquim Mendes de Vasconcelos e Cirne. Sendo deportado a caminho da Índia, o naufrágio da nau em que seguia deixou-o em Moçambique, onde se alistou no exército. Não obstante a sua carreira atribulada, foi nomeado, a 13 de maio de 1813, primeiro governador de Quelimane. Conseguiu a liberdade de acesso (dispensa de apresentação prévia em Moçambique) dos navios negreiros ao Porto de Quelimane e promoveu a construção local de cinco embarcações para o transporte dos escravos - facto inédito em toda a costa africana. Instalou a alfândega com juiz e feitor, em 1817. As grandes fortunas que aí se fizeram com tal tráfico desertaram, na sua maior parte, para o Brasil, sem terem contribuído grande coisa para a prosperidade da vila. Em 1824, das cento e sessenta pessoas livres que aí moravam, apenas doze eram europeias. Em 1850, estavam recenseados para a eleição da Câmara Municipal cento e nove eleitores: cinquenta e três de Goa, Damão e Dio, dezanove do Reino e trinta e sete nascidos em Moçambique.
Analisando de seguida o espaço urbano e a arquitetura no século XIX, não se poderá atribuir à povoação a qualidade de urbanizada antes da segunda metade de Oitocentos. O comandante da colónia militar destinada a Tete, chegado a Quelimane em 16 de setembro de 1860, dizia que o estado da povoação era deplorável: estava cortada por valas que davam saída às águas pluviais para o rio, difíceis de atravessar a pé, guarnecidas de alto caniço e diferentes arbustos; não havia ruas, mas sim estreitos carreiros por entre junça de quatro a seis palmos de altura; bosques aqui e além; pântanos e arrozais. Todas as noites se ouvia gritaria nos vários pontos em que apareciam o tigre ou a hiena; no dia seguinte contavam-se as presas que haviam feito, de gente e animais, e referiam-se pormenores que faziam pasmar os forasteiros. As habitações distavam umas das outras vinte a cem metros, eram construídas de tijolo cru, e algum cozido, seguro com barro, caiadas por dentro e por fora, com pavimentos argamassados e boas portas e janelas, bons madeiramentos e cobertura de teca. Não havia pedra; a cal ia de Moçambique por alto preço. Só uma casa tinha dois pavimentos; todas as outras tinham um e assentavam sobre uma base ou plataforma de quatro a seis palmos de altura, com um balcão e alpendre sustentado por quatro ou seis colunas, junto da porta principal, onde de dia e de noite se palestrava; na parte posterior abria-se um grande pátio com armazéns. A igreja estava muito mal cuidada. O governador do distrito residia em casa de renda e a câmara municipal não tinha casa própria. Na vila contavam-se dezoito casas bonitas e espaçosas, trinta e oito moradores que usavam gravata, sendo dez europeus, doze asiáticos e dezasseis africanos; quinze senhoras, três da Europa e doze africanas; dezoito baneanes e parses. O sistema dominial dos prazos da coroa vigente no Vale do Zambeze durante séculos serviu aos senhores mais para fazer o comércio do sertão, nele incluído o tráfico de escravos, do que para a cultura da terra. Será também com os prazos e através do seu arrendamento pelo Estado, que as grandes companhias de capital orgânico e de plantação haviam de chegar a Quelimane e à Zambézia. O período que sucedeu ao do tráfico de escravos, como nova era mercantil e incidência flagrante em Quelimane, iniciou-se com a chegada, em 1855, aos portos de Moçambique, de duas barcas francesas provenientes de Marselha. Os navios desta praça passaram a carregar regularmente os géneros que antes só em muito pequena quantidade iam para Lisboa. Em 1868 estabeleceu-se na vila a Augustin, Fabre et Fils, que deu grande impulso ao comércio de oleaginosas. Também aí se implantaram a Oaste Africanisch, de Roterdão, a Companhia Africana de Lisboa e outras. Em 7 de janeiro de 1873 constituiu-se a que terá sido a primeira sociedade anónima de responsabilidade limitada em todo o Moçambique, a Companhia de Minas da Zambézia. Subscrita por comerciantes residentes na urbe, era seu promotor José de Paiva Raposo que, não obstante a inconsequência desta, lançaria em 1874 a Companhia da Cultura e Comércio do Ópio, a primeira das grandes companhias de plantação instaladas na província. Estas companhias pioneiras ficaram pelo caminho; mas o êxito das que, a partir de 1892, centradas em Quelimane, se instalaram no Vale do Zambeze, muito ficaria a dever a essas experiências. Beneficiou também da nova perspectiva da política colonial promovida por Andrade Corvo, que se repercutiu na vila com a chegada, em 1877, da Missão das Obras Públicas. Além de obras menores, a expedição preocupou-se com os meios de comunicação, embora, segundo o chefe da missão, o distrito, por dispor de muitos rios e canais, não tivesse deles grande necessidade. Por isso se limitou a propor a limpeza do Rio Cuácua e a abertura de um canal entre os rios Licuare e Muanangue, assim como obras de saneamento na vila. De facto, além do Cuácua, os canais abundavam. Mais tarde, já em pleno século XX, ainda eram as ligações fluviais que proporcionavam os transportes comerciais dentro do distrito de Quelimane. À medida que se aproximavam os finais do século XIX, iam surgindo indícios da formação de um meio urbano de tipo ocidental em Quelimane. Em 1881, em Lisboa, insinuando o desenvolvimento material da Zambézia, a revista Occidente publicou a gravura da feitoria da Casa Regis Ainé e, cinco anos mais tarde, exibia a imagem de uma residência de algum aparato, no Largo do Concelho, frente aos Paços Municipais. Com a chegada dos padres jesuítas, em 1890, foi criado na vila o Colégio do Bom Jesus, e a Missão de Coalane, no Prazo Anquaze, a alguns quilómetros da cidade. No trânsito do século XIX para o século XX, é a ficção de Emílio de San Bruno que melhor retrata Quelimane física e socialmente. Ali estão personagens históricos como João de Azevedo Coutinho, o conde de Vila Verde, D. Pedro de Almeida e Noronha (o Gonçalo Mendes Ramires de Eça de Queirós), ou os Stucky de Quay. Pedro de Campos Valdez, além de preponderante nas campanhas militares comandadas por Azevedo Coutinho, foi quem, em 1892, em Quelimane, arrematou a concessão de prazos, em nome de um sindicato financeiro de Lisboa, iniciando assim o que viria a ser a primeira grande companhia de plantação com sede operacional em Quelimane, a Companhia do Boror. Nesse mesmo ano foi constituída a Companhia da Zambézia. Estas e outras grandes companhias, como a Companhia do Madal, do príncipe de Mónaco, rodearam a cidade de palmares extensíssimos e transformaram a paisagem envolvente; a condição urbana do lugar passou a beneficiar da presença da nova atividade instalada no distrito. Se, até finais do século XIX, a Igreja de Nossa Senhora do Livramento permaneceu como único monumento edificado digno de nota na afirmação da presença de reinóis e goeses, a partir de finais do século surgem edifícios de alguma envergadura, também assobradados, em cujo traçado se pressente a inspiração da arquitetura setecentista. Alguns casarões, ainda de pé em finais do século XX, ao longo da frondosa avenida marginal ao rio, remetiam-nos para o paralelismo de outros trópicos por onde andou e assim ficou assinalada a presença portuguesa. Imagens dos primeiros anos do século XX denunciam uma urbanização incipiente, com o delineamento de ruas dotadas de linhas Decauville para transporte dos muzungos em carro movido a braço de serviçal. O Governo, a Câmara Municipal, os Correios e Telégrafos, as Obras Públicas e a Liga Naval dispunham de edifícios condignos. Quando o príncipe D. Luís Filipe, em 1907, visitou Quelimane, desembarcou na chamada Rampa da Capitania ou da Alfândega, pois só em julho de 1950 se começou a construção da ponte-cais, inaugurada em 3 de novembro de 1953. Iniciada a construção da via-férrea, em 1914, foi feita a ligação de Nhamacurra a Mocuba. Interrompida pelo deflagrar da Primeira Guerra Mundial, a ligação a Mocuba, extensa de cento e quarenta e cinco quilómetros, seria concluída em 1922. Na segunda década, a vila contava com duas avenidas, treze ruas, cinco travessas, quatro praças e dois largos. Os edifícios públicos, nomeadamente os da Câmara Municipal, da Fazenda e a Residência do Governador, foram melhorados. Dispunha de Mercado Municipal. Em 21 de agosto de 1942, Quelimane foi elevada à categoria de cidade. Em 1954 foi criada a diocese, desmembrada da diocese da Beira, tendo então sido edificado o Paço Episcopal, de expressão moderna. Terá sido este um dos primeiros sinais da modernidade arquitetónica em Quelimane. A 6 de agosto de 1960, a Direção dos Serviços das Obras Públicas assinou o contrato com o arquiteto João José Malato para a elaboração do Plano Urbanístico da cidade. Em 1950, com 64.000 habitantes, Quelimane era a segunda cidade moçambicana. Refira-se o Plano de Urbanização de Quelimane, elaborado pelo Gabinete de Urbanização do Ultramar. Conhece-se uma Planta Topográfica da Cidade de Quelimane, a escala de 1/10.000, de 1945, com a divisão dos bairros que constituíam a urbe. Existe um Plano de Urbanização de 1950, e outro de 1966. Na década de 1970 a estrutura da cidade era semelhante à dos anos 1950: quatro eixos no sentido sul-norte (vias de João Belo, Combatentes, D. Luís Filipe e António Enes) e dois na direção este-oeste (vias de Vasco da Gama e de Carmona, sendo esta a via marginal).

Arquitetura religiosa

Equipamentos e infraestruturas

Habitação

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