Caminho-de-Ferro de Benguela [povoações do Cubal; Alto Catumbela; Chinguar; Camacupa, General Machado]

Lat: -12.025706005218000, Long: 17.473714018369000

Caminho-de-Ferro de Benguela [povoações do Cubal; Alto Catumbela; Chinguar; Camacupa, General Machado]

Benguela, Huambo, Bié, Moxico, Angola

Enquadramento Histórico e Urbanismo

Um simples olhar para o mapa de Angola e para o Censo de 1970 detecta a importância das vilas e cidades ao longo do Caminho‐de‐Ferro de Benguela, do Porto do Lobito à fronteira leste, quando, em contraste com a realidade atual, a população urbana era reduzida e apenas dezoito cidades tinham mais de 5.000 habitantes. Sete delas eram servidas pelo Caminho‐de‐Ferro de Benguela (CFB). O comboio alterou rotas antigas do comércio no interior de Angola e redefiniu a hierarquia dos lugares, desenvolvendo ou marginalizando povoações. Desde o início o caminho‐de‐ferro foi, de facto, apesar de alguma controvérsia, parceiro do governo português na colonização. A concessão da construção e exploração por noventa e nove anos a britânicos (contrato com Robert Williams, em novembro de 1902), o desvio para o Huambo da rota prevista para Caconda, e a própria ideia da construção de vilas e cidades no interior geraram críticas em meios económicos influentes de Lisboa, Luanda e Benguela. Setenta anos depois, era inegável o valor económico e social do cordão de vilas que o comboio ajudou a criar. Povoações surgiram ou ganharam cunho urbano, ainda que modesto, à medida que a via‐férrea progrediu. Em 1908, vencidos penosamente os primeiros degraus da escarpa montanhosa que separa o litoral do planalto, atingiu o local da futura vila do Cubal e, um pouco mais tarde, a Ganda. Subiu depois até ao Longonjo e Lépi (1911), e avançou mais facilmente até ao Huambo (1912) e ao Chinguar (1913), apesar das várias pontes a construir. Ali se deteve, por dificuldades financeiras agravadas pela Primeira Guerra Mundial, chegando finalmente ao Bié (Kuíto) em 1923 e em 1925 a Camacupa, atravessando depois o Kwanza numa das mais importantes obras de engenharia da época, com acesso também para carros e peões. Em 1929 atingiu o Luau (Vila Teixeira de Sousa) e a fronteira, perfazendo 1.346 quilómetros, sem contar posteriores ramais e variantes, sendo a última a do Cubal‐Lobito, inaugurada em 1974. Só em junho de 1931 chegou ao Lobito o primeiro carregamento de cobre do Katanga, motivação inicial de Robert Williams, mas por essa altura já o comboio mudara irreversivelmente o panorama físico e humano do centro de Angola: incentivou a produção local (até 1941 o valor da exportação do milho ultrapassava os outros produtos agrícolas, incluindo o café), facilitou a mobilidade geográfica, alterando profundamente a demografia, e abriu portas à mobilidade social da população africana, pelo emprego e formação profissional. Também afetou drasticamente a ecologia, primeiro destruindo cegamente florestas para alimentar as locomotivas e, depois, criando a maior plantação particular de eucaliptos do mundo para esse fim. Com a vastidão de terras cedidas e os baixos custos da mão‐de‐obra, a lenha ficava mais barata que o carvão ou o diesel.
Há muito de comum na história das vilas ferroviárias da zona central de Angola que aqui abordamos. À parte o Huambo (Nova Lisboa) e Kuíto‐Bié (Silva Porto), quase todas começaram por casas comerciais estabelecidas em frente ou próximo da estação, antes ou em simultâneo com um plano de urbanização oficial. Este explica o traçado ortogonal e as ruas amplas do núcleo central de todas essas vilas, mas também os enormes espaços vazios esperando candidatos a empreendimentos. As lojas, em piso térreo geralmente elevado para evitar a lama e água das chuvas, ocupavam frequentemente toda a frente do talhão, com várias portas dando diretamente para a rua. No mesmo edifício ficava a residência do gerente ou proprietário, mas as varandas da habitação davam para o grande quintal nas traseiras, murado, onde também ficavam as cozinhas e eventuais latrinas (mais tarde, casas de banho), se armazenavam os artigos de comércio e, caso necessário, dormia a criadagem.
Este modelo típico teve adaptações ou acabou substituído por casas mais modernas, mas ainda sobrevivem exemplos. O tradicional recurso ao pau‐a‐pique e ao adobe, rebocado e por vezes caiado, coberto a capim ou chapa de zinco, foi rejeitado nas vilas mas tolerado até a multiplicação de cerâmicas ter vindo facilitar a difusão do tijolo e da telha. Enquanto um local fosse "cabeça de linha" (posto avançado da circulação dos comboios), concentravam‐se ali responsáveis e técnicos da construção de várias nacionalidades, cujos alojamentos temporários evoluíram por vezes para pequenos bairros do caminho‐de‐ferro, de residências bem construídas, com telhados de quatro águas e varandas à volta da casa. Não muito longe ficavam aquartelamentos para os militares que protegiam as obras e, mais afastados, os acampamentos e aldeias do grosso da mão‐de‐obra. O abastecimento de toda essa população favorecia o comércio local e a abertura de lojas atraía também a produção africana antes destinada à exportação via Benguela e Catumbela (borracha e cera primeiro, milho, feijão e outros produtos agrícolas cada vez mais). Dada a proverbial resistência dos comerciantes do mato do planalto e leste de Angola à concentração preconizada pela administração colonial, foi decisivo o papel da via‐férrea na criação de centros urbanos numa região onde as estradas e a circulação rodoviária vieram depois. O CFB assumiu também frequentemente o fornecimento de eletricidade e de água e apoiou a construção de edifícios públicos e privados. Assim cresceram, no planalto e zonas limítrofes, Cubal, Ganda, Cuma, Longonjo, Caála, Vila Nova, Bela Vista, Chinguar, Camacupa e outras. A população local oscilou entre o afastamento (fugindo ao trabalho forçado e aos impostos) e a atração por novas oportunidades de negócio e trabalho. Com o tempo, predominou a atração e aldeias e bairros cresceram em simbiose com os núcleos urbanizados, embora numa troca desigual. A economia urbana, dominada pelo comércio e serviços, dependia do mundo rural à sua volta, incluindo a pouca indústria existente: moagens, unidades de descasque de arroz ou desfibramento de sisal, cerâmicas e oficinas, produção semiartesanal de laticínios e salsicharia. Se a Caála foi "rainha do milho", o arroz foi um sucesso nas terras do Bié, o Cubal conheceu o apogeu com as fazendas de sisal e a Ganda ficou famosa pelas experiências na cafeicultura mas prosperou também com o sisal, o gado e a agricultura de camponeses e fazendeiros. Exceção foi o Alto Catumbela, simples estação do CFB onde foi feita de raiz, a partir de 1959, uma povoação industrial totalmente dependente da Companhia de Celulose do Ultramar, com espaços de lazer e zonas residenciais diferenciadas, incluindo um bairro indígena.
O crescimento económico de Angola e a imigração portuguesa após 1961 impulsionaram uma nova fase de desenvolvimento urbano e "europeização" destas vilas, mas com construção diferente da de Portugal. Prédios novos, alguns com mais de dois pisos, ou vivendas com varanda e jardim, erguiam‐se ao lado de casas antigas, numa mistura confusa de estilos e materiais. O betão, os mosaicos, mármores e marmorites ofuscavam o tijolo e a telha. Em 1974 tinham já foros de cidade a Caála (ou Robert Williams, de 1929 a 1975), Camacupa (General Machado), Cubal e Ganda (Mariano Machado). Os edifícios de destaque no tecido urbano eram, quase sempre: a estação ferroviária; a sede da administração e principais serviços; casas comerciais de comércio misto ou especializado; sedes de associações desportivas e recreativas; a igreja católica; um mercado municipal; escolas primárias e um ou outro colégio particular para o ensino secundário; bares e restaurantes; pensões ou hotéis. Nos últimos anos coloniais algumas urbes ganharam jardins, um parque infantil ou uma piscina municipal. Mas o lazer urbano girava sobretudo em torno do futebol (com animadas disputas inter‐vilas ou campeonatos regionais), dos bailes e do cinema, em edifício próprio ou improvisado. Anualmente, as festas da vila ou cidade assinalavam a data da sua criação ou o santo padroeiro, uma tradição portuguesa que se manteve após a independência. As guerras pós‐independência acabaram por paralisar o caminho‐de‐ferro, exceto entre o Lobito e Benguela. A comunicação por estrada fez‐se também difícil e cada vila sobreviveu como pôde, quase todas com grande degradação das estruturas urbanas, atualmente em reconstrução. Em 2005 o comboio voltou ao Cubal.

Equipamentos e infraestruturas

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