Benguela

Lat: -12.576689005012000, Long: 13.401668994998000

Benguela

Benguela, Angola

Enquadramento Histórico e Urbanismo

Benguela teve origem na antiga feitoria e sede da capitania fundada em 1617 por Manuel Cerveira Pereira, em território já habitado por populações ndombe e kuíssi e um quilombo de jagas. Num terreno plano e alagadiço, percorrido pelo Rio Coringe e limitado a norte pelo Rio Cavaco, vieram instalar‐se militares, traficantes e escravos, provocando a animosidade da população local, sendo recorrentes nos primeiros séculos as hostilidades contra os europeus. Com efeito, o objetivo destes era adquirir mão‐de‐obra escrava para as plantações na América. Os assaltos dos holandeses, ocorridos em 1639 e 1645, flagelaram a pequena feitoria, que ficou em seu poder entre 1645 e 1648. Assaltada e saqueada por corsários franceses em 1704, ficou praticamente em ruínas até 1710. Sofreu ataques dos sobas vizinhos entre 1718 e 1760. A capitania‐mor de Benguela, criada em 1617, passou a capital de distrito em 1779, no tempo do governador Sousa Coutinho. O tráfico de escravos era processado por umas dezenas de comerciantes brasileiros e portugueses, com os seus parceiros africanos, atingindo no século XVIII o período mais devastador. Com a independência do Brasil, a proibição do tráfico e a retirada de negociantes da cidade, Benguela atravessou um período difícil. A criação da câmara, em 1835, dinamizou a vida dos moradores e na década de 1840 a cidade recuperou do marasmo anterior, reconstruindo o que estava em ruínas. Em 1845, era ainda descrita por Lopes de Lima como "uma mesquinha povoação de pouco mais de seiscentos fogos", e em 1846 Carvalho e Menezes classificava‐a como "quasi um ermo frequentado por animaisferozes".Tinha então uma escassa população de cerca de 2.400 habitantes, dos quais mais de um terço eram escravos, sendo os outros traficantes, soldados e africanos livres. Em 1877, a vida dos habitantes continuava a depender essencialmente da atividade comercial, que configurou espacialmente os distintos bairros de Benguela. "Bastantes casas [...] limpas e com regular alinhamento em ruas largas ladeadas de árvores e que se ligam entre si por um largo ajardinado, constituem o bairro propriamente comercial, centro de habitação das autoridades e de numerosos negociantes ali estabelecidos [...] Dispersos aqui e além encontram‐se muitos estabelecimentos onde se fazem os negócios mais importantes [...] O seu aspecto é singelo e antiquado: no primeiro plano figura o clássico balcão de madeira enegrecido nuns, noutros coberto de uma pintura azulada, cercado por extensas prateleiras carregadas de toda a qualidade de algodões, riscados, missangas, barretes, espelhos, tudo coroado por bem alinhadas fileiras de garrafas com licores diversos" (Capelo e Ivens, 1877). As relações comerciais de Benguela com distantes regiões do interior haviam feito surgir "espaçosos armazéns, onde suspensa de uma trave está a velha balança de pau, de pratos quadrados sustentados por oito cordas, acham‐se cheios dos mais variados produtos do sertão. Ali se vê constantemente cera, borracha, marfim e numeroso gentio à espera de que chegue o momento da pesagem" (Capelo e Ivens, 1877). Sendo muito heterogénea a população que nela habitava, Benguela era caracterizada por fortes contrastes sociais e culturais, assinalados no espaço urbano de modo bem visível. Assim, os bairros onde vivia o "gentio" eram compostos por vielas tortuosas ladeadas de palhotas à mistura com vastos quintais cercados de muros altos que interceptavam o calor e a luz, onde se acumulavam centenas de africanos vindos do sertão. No interior, viam‐se pedras calcinadas sobre as quais assentava a panela de barro onde coziam as refeições, velhas esteiras servindo de camas, cabaças dispersas entre cachimbos, arcos e zagaias. Apesar disso, na viragem do século, desvaneceu‐se a prosperidade resultante da permuta da borracha e da aguardente. O comércio de Benguela atravessou no início do século XX um período de restruturação em busca de novos produtos e mercados, durante o qual foram abertas novas vias de escoamento, em boa parte devido à construção do caminho‐de‐ferro até à fronteira leste. Contudo, Benguela perdeu importância económica face à cidade portuária do Lobito, onde foram instaladas a sede do Caminho‐de‐Ferro de Benguela, oficinas e o terminal, a par de uma atividade portuária crescente, e face ao planalto onde Nova Lisboa crescia em ritmo acelerado. Até meados do século XIX, a cidade organizava‐se junto do forte, dispondo‐se as casas de adobe dos traficantes europeus e africanos ao longo de "uma única rua e várias travessas que nela desembocam ou se cruzam" (Lima, 1846), enquanto a população africana se concentrava na Sanzala ou Bairro Alto. Em 1764, iniciara‐se uma fase de renascimento urbano com a governação de Sousa Coutinho, que dotou Benguela de importantes edifícios públicos, como o Hospital, a Câmara e a Fortaleza de São Filipe. Esta, com trezentos metros de frente e cento e cinquenta de fundo, situada à beira‐mar, construída em taipa e adobe em 1661 e restaurada sucessivamente em 1694, 1710 e 1769, serviu de prisão e Depósito de Degredados até à sua demolição (1906‐1918). O Senado da Câmara teve as suas primeiras instalações erguidas em 1772, na Rua Direita ou da Alfândega, a principal artéria da cidade comercial. O primeiro Hospital Real funcionava desde 1674, num grande edifício estreito e comprido de um só piso elevado acima do solo, restaurado em 1773, situado no talhão onde mais tarde foi construído o Palácio do Comércio. Nele eram tratados "os soldados, os degredados e pretos pobres, porque os remediados e todos os europeus" se tratavam em suas casas (Moraes, 1887). Apesar das obras efetuadas, o aspecto da cidade continuava a ser confrangedor, cheia de capinzais e longos muros, áreas pantanosas na estação das chuvas e mosquitos que a tornavam um "açougue humano" (L. de Lima, 1846). À ação camarária ficaram a dever‐se medidas de saúde pública: aterro de pântanos, construção do cemitério, arborização, limpeza das ruas e largos, a regulamentação do mercado, análise das águas do Cavaco, do Catumbela e das cacimbas (1856), "principal causa das contínuas febres e outras muitas moléstias de que os moradores são constantemente acometidos e de que resultam muitas vítimas" (Delgado, 1940). Porém, na década de 1880 a "cidade branca" era já descrita como "graciosa, ampla, com longas avenidas arborizadas, um formoso jardim, espaçosas praças, muito plana, muito limpa e regularmente iluminada". Os habitantes preferiam, contudo, o passeio junto à praia, onde soprava à noite uma brisa pura e fresca do mar, ou no Passeio Público, uma bela alameda de acácias rubras (100 x 125 metros), na estrada para o Cavaco. O crescimento da urbe ocorrera ao longo de 1.750 quilómetros na frente marítima e dois quilómetros para o interior, atingindo uma área total de 3,67 quilómetros quadrados onde os poderes públicos haviam efetuado vários melhoramentos, como novos aterros sanitários, instalação de uma linha telefónica para a Catumbela (1886), construção das pontes férreas sobre o Rio Cavaco e o Rio Catumbela, da nova residência do governo, do mercado e o restauro de construções antigas, como o cemitério. A condução da água do Cavaco até aos chafarizes públicos foi instalada na década de 1890, enquanto a luz elétrica só iluminou Benguela em 1905. Na sua malha irregular de talhões amplos, ruas muito largas, extensas e arborizadas, erguiam‐se cento e dezoito casas térreas de adobe, e só a residência do governador tinha sobrado. Com a prosperidade comercial proporcionada pela borracha nas últimas décadas do século XIX, os mais ricos negociantes construíram diversos "sapalalos", casas de sobrado com primeiro andar. Entretanto, nos bairros africanos existiam trezentas e sessenta cubatas de adobe e novecentas e sessenta e oito de pau‐a‐pique barreadas e cobertas de capim, desalinhadas e rodeadas de vegetação. Estes bairros ou "partes" de Benguela - Cavaco, Corinje, Quinjola, Calundo e Emboto - rodeavam o núcleo central onde tinha lugar a permuta, a Quitanda, praça quadrada com armazéns em volta, o açougue, tabernas e pequenas tendas. Se as medidas sanitárias prolongaram gradualmente a esperança de vida dos europeus, a malária e epidemias várias fustigaram os habitantes ao longo do século XIX, como a varíola, que em 1864 e em 1891 fez muitas vítimas entre os africanos, assim como a doença do sono em 1900. Em 1892, a população fixa rondava os 2.500 indivíduos, mas a flutuante duplicava por vezes o total de habitantes; os europeus eram então cerca de quatrocentos.
Através das plantas de 1900 e 1939 e do plano de urbanização de 1948, pode constatar‐se o acelerado crescimento urbanístico de Benguela. A planta de 1900, por Alves Roçadas, revela a configuração mais regular da cidade e suas artérias e largos principais - do Pelourinho, de São Filipe, da Quitanda, do Embondeiro. A planta de 1939 evidencia a nova fase do urbanismo colonial dos anos 1930, quando o caminho‐de‐ferro e a instalação de empresas agrícolas e piscatórias fizeram afluir os assalariados africanos e europeus, e a população urbana ascendeu a cerca de 14.000 pessoas, requerendo novas medidas de saneamento, a construção de novos bairros, como o Bairro Indígena, e novas estruturas viárias. Mas nos finais dos anos 1940, Henrique Galvão ainda refere a perda de importância da cidade face ao Lobito e ao desenvolvimento de Nova Lisboa, descrevendo‐a como "cidade enorme, de ruas compridíssimas e asfixiantes, em que dominam o amarelo e o pardo, feia, muito feia, mas depois de Luanda a cidade mais característica de Angola [...] O mar bate‐lhe nas costas, é certo, mas ela fugiu do mar para terras nuas e encardidas [...] Dentro deste quadro, de aspecto doentio e abafante, vive uma população teimosa e tão simpaticamente aferrada à cidade, que constitui o caso mais típico e ferrenho de bairrismo que se conhece em Angola. A gente de Benguela faz lembrar a gente do Porto" (Galvão, s/d, vol. II, 565).
A condição de capital de distrito e pólo de desenvolvimento regional assegurou a Benguela ser a mais importante cidade do sul de Angola. Além disso, o sisal e as pescas, assim como uma contida industrialização, reanimaram‐na a partir da década de 1930, e asseguraram o seu crescimento demográfico em 1950 para um total de 17.690 habitantes, incluindo um afluxo de europeus, cuja presença na cidade atingiu os 20%. Nos anos 1960, a cidade atingiria os 30.800 habitantes, como reflexo do aumento de trabalhadores do setor industrial em plena expansão: fábricas de óleo, açúcar, sabão, laticínios, cal, tijolo, refrigerantes, secagem e congelação de peixe. Cidade erguida sobre os pilares de uma mestiçagem cultural, com os espaços públicos e edifícios de longas varandas cobertas e quintais interiores, Benguela foi e continua a ser, a par de Luanda, o testemunho bem representativo do urbanismo e da arquitetura coloniais dos séculos XVII‐XX, persistindo nos melhores exemplares um forte tradicionalismo luso‐brasileiro, a par de uma clara adaptação de modelos exteriores às condições ambientais e sociais prevalecentes. Monumentos e Estatuária Dos monumentos e estatuária de Benguela destaque‐se a estátua ao fundador da cidade, Manuel Cerveira Pereira, a qual, fronteira ao Palácio do Governo Distrital, exibe o busto do homenageado, adossado a um volume vertical de perfil triangular. Obra anterior a 1960, segue a linha dos monumentos celebrativos e historicistas do Estado Novo, erigidos em pedra, com elementos formais de proporções verticalizantes, que o Padrão dos Descobrimentos em Lisboa e os padrões henriquinos espalhados por inúmeras cidades de África celebrizaram.

Arquitetura religiosa

Equipamentos e infraestruturas

Habitação

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