Rio de Janeiro

Lat: -22.903538959128000, Long: -43.209586866558000

Rio de Janeiro

Rio de Janeiro, Brasil

Enquadramento Histórico e Urbanismo

Depois de receber as primeiras notícias sobre o Brasil, D. Manuel I enviou várias expedições de reconhecimento, como as de Américo Vespúcio (1501), Gaspar Coelho (1503), Cristóvão Pires (1511) e Fernão de Magalhães (1519). Não se sabe qual destas expedições aportou pela primeira vez na baía que os nativos denominavam Guanabara, que em tupi significa água penetrante, rio largo ou enseada. O topónimo Rio de Janeiro aparece em cartas e plantas a partir de 1522, pela interpretação dos primeiros viajantes de se tratar da foz de um grande rio. A cidade fundada na Baía de Guanabara, ou melhor, na foz do Rio de Janeiro, não foge à regra de atribuição de nomes à maioria das vilas e cidades do Brasil, onde natureza e a situação geográfica são os principais critérios de nomeação dos novos povoados. No entanto, apesar da profunda praticidade dos portugueses, o batismo cristão que receberá a cidade, quando da sua fundação, possui algo de mítico. Desde muito cedo, aquela baía tornara‐se área privilegiada da pirataria europeia. Franceses, holandeses e ingleses faziam comércio com os indígenas, carregando suas naus de produtos da terra, principalmente pau-brasil. Os franceses foram os frequentadores mais assíduos. Buscavam o controle de um ponto estratégico do território para garantir a hegemonia comercial e política sobre o Atlântico Sul. Em novembro de 1555 três navios franceses, sob o comando de Nicolas Durand de Villegagnon, chegaram à Baía de Guanabara. Eram cerca de 600 pessoas, entre mercenários e aventureiros, que saíram da França com o intuito de estabecer uma colónia. Fundaram um forte que recebeu o nome do Almirante Coligny, numa ilha no interior da baía, bem em frente à entrada da barra, garantindo o seu controle. Contavam com a cumplicidade dos índios tamoios da região. Alguns colonos construíram suas habitações na praia do Flamengo, junto à foz do Rio Carioca. A reação portuguesa à nova colónia teve início em 1560, estendendo‐se até 1567. Estácio de Sá, comandante da última expedição, fundou em 1565, na pequena praia existente à esquerda da barra, entre os morros Cara de Cão e Pão de Açúcar, a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Aquela estreita faixa de terra era um ponto protegido para os navios e para a construção de uma paliçada, e serviu de trampolim para o cerco aos franceses. No relato de missionários portugueses que acompanharam a luta, o próprio São Sebastião participou, sob o disfarce de um intrépido soldado, na batalha. Assim, a fundação da cidade ganhou conotações de uma guerra santa contra os franceses hereges, pois muitos deles eram protestantes, e o gentio rebelde da terra. O seu nome, além de homenagear o rei português D. Sebastião, prestava tributo ao mais bravo e santo guerreiro. A batalha conta com um santo e produz um mártir, Estácio de Sá, que morre por uma flecha envenenada num dos últimos e decisivos confrontos. Vencidos os franceses, Mem de Sá, então governador‐geral do Brasil, transferiu o primeiro núcleo urbano para o interior da baía, construindo‐o em cima de um morro de frente à entrada da barra, que ficaria conhecido como Morro do Castelo, em razão da fortaleza que seria ali construída. Nesse sítio os jesuítas fundaram o seu colégio e foram erguidas a Igreja Matriz e a Casa da Câmara. O morro rapidamente fica pequeno para a cidade que iria se desenvolver na várzea, através do aterramento dos pântanos existentes naquela área. O caminho que percorria toda a extensão da praia, separando pântanos da baía, ligando o Morro do Castelo ao morro onde os beneditinos haviam instalado o seu convento, será o eixo de expansão da cidade. Este caminho assumirá em sua denominação de princípios do século XVII - Rua Direita - o papel que estas vias desempenhavam como elemento ordenador da expan‐ são dos assentamentos urbanos portugueses na América, sendo muito semelhantes às suas anteriores experiências na Madeira e nos Açores. A partir deste eixo principal seriam lentamente abertas novas vias transformadas em ruas; definindo, num xadrez irregular, o traçado da cidade na planície conquistada pelo enxugamento dos pântanos. Os caminhos que, da cidade, conduziam aos engenhos de açúcar da baía serviram igualmente de diretrizes para o seu crescimento. A regularidade do traçado urbano é em geral atribuída à presença de engenheiros militares do reino, como Batista Antonelli (1582) ou Michel de Lescolles (1649), sendo também fruto das normas e regulamentos das câmaras, impostos por seus arruadores na constante definição do cordeamento e da demarcação das ruas. No final do século XVI, o Rio de Janeiro possuía três engenhos de açúcar, 150 vizinhos com seu vigário, e muita escravaria da terra, tornando‐se, assim, a cabeça de um sistema mais complexo de ocupação de todo o território da Guanabara. Embora secundária na produção açucareira da América Portuguesa - perdendo para Pernambuco e Bahia -, e marginal às principais rotas de comercialização deste produto no Atlântico, a posição meridional da cidade lhe proporcionou, durante todo o século XVII, condições excepcionais de trânsito e navegação entre as possessões espanholas do estuário do Rio da Prata e os portos negreiros na África. Nos últimos anos do século XVII, a descoberta das Minas faria do seu porto eixo de intensa circulação de gente e mercadorias. Esta posição conferiu à cidade do Rio de Janeiro maior importância política e económica no interior da colónia e do próprio império português. Sua posição chave a tornará alvo de duas invasões empreendidas por corsários franceses nos anos de 1710 e 1711, em decorrência da Guerra de Sucessão da Espanha. A primeira foi mal sucedida, mas a segunda implicará a conquista da cidade pelos franceses e a exigência de resgate. Era necessário garantir a defesa da cidade e para isso em 1713 foi contratado o engenheiro francês Jean Massé, que viria a ser responsável pelo projeto de defesa da cidade, com novas fortificações. O ponto alto do projeto era, no entanto, o de fechar a cidade construindo um muro ao seu redor; o que, aos olhos das autoridades portuguesas, seria imprescindível não apenas para defendê‐la, caso fosse novamente invadida por terra, mas também para impedir a incontrolável deserção de marinheiros e soldados que toma‐ vam o caminho das Minas, atraídos pela ilusão de enriquecimento fácil. No entanto, a falta de meios e o crescimento urbano levaram ao fracasso deste projeto, embora a intenção de circundá‐la por muralhas nunca tivesse sido totalmente abandonada ao longo do século XVIII. De facto, os limites urbanos seriam definidos por seu Campo, consoante à ideia moderna de cidade aberta em contraposição à cidade murada. Defronte à baía, bem no meio da cidade, estendia‐se a principal praça do Rio de Janeiro colonial. Conquistada ao mar no terreno que foi criado diante do Convento do Carmo, nela foram se estabelecendo, sucessivamente, a Casa dos Contos e a da Moeda e, no mesmo prédio, remodelado em 1743 com risco do engenheiro José Fernandes Alpoim, os Armazéns Reais e o Paço dos Governadores e dos Vice‐Reis. Do outro lado da praça localizavam‐se os prédios erguidos pelo juiz dos órfãos, António Telles de Menezes. Dali passava‐se à ruela chamada Beco do Peixe, que por sua vez desembocava na praia com o mesmo nome, onde o peixe trazido em pequenas embarcações era vendido. Do lado oposto, entre o mar e o prédio onde até 1751 funcionavam a Câmara e a Cadeia, espalhavam‐se as barracas das negras quitandeiras, comércio varejista de legumes e hortaliças regulado pela Câmara. Em 1763, o Rio de Janeiro tornava‐se sede do vice‐reino do Brasil, e uma série de intervenções dos vice‐reis procuraram dotá‐lo de equipamentos de acordo com a sua nova importância. O abastecimento d’água já vinha sendo organizado desde 1723 com a construção do primeiro chafariz no Largo da Carioca, assim denominado por ser provido pelas nascentes do rio com o mesmo nome. O aqueduto que trazia suas águas ganhou a forma definitiva, que apresenta ainda hoje em dupla arcaria romana, no governo de Gomes Freire de Andrade, entre 1744 e 1750. Ao primeiro chafariz somaram‐se diversos outros - o do Largo do Carmo e o da Junta (1750‐53), o da Glória (1772), o das Marrecas (1785), o do Lagarto (1786), o do Largo do Moura (1794) e o do Campo de Santana (1808) - dotando a cidade de uma rede de abastecimento de água. Em 1789, sob o vice‐reinado de Luiz de Vasconcelos e Souza, um grande promotor de obras urbanísticas e de embelezamento da cidade, a praça do palácio dos vice‐reis, coração da cidade, foi totalmente remodelada sob a coordenação do engenheiro sueco Jacques Funk. Outra obra notável do vice‐rei foi a construção de um Passeio Público nos arredores da cidade. Ali se inaugurava a relação da população com a própria paisagem como atividade contemplativa e de lazer. Ideia reforçada nos dois pavilhões dedicados a Apolo e Mercúrio e decorados, em seus interiores, com penas e conchas respectivamente, além de um conjunto de pinturas de paisagens, de Leandro Joaquim, retratando aspectos da vida quotidiana e de festas da cidade e de sua relação com o mar. Em março de 1808 desembarcou, no Largo do Paço, D. João, príncipe regente de Portugal, transformando a cidade do Rio de Janeiro em sede do império português. O séquito de fidalgos, que a partir daí aflui para a cidade, vai‐se instalando nos limites urbanos, construindo junto ao passeio público, no Campo, nos caminhos de Mata Cavalos e de Mata Porcos, uma série de casas apalacetadas que modificaram a paisagem da nova cidade‐corte. O uso como residência real de uma quinta situada além do Campo da cidade, em local conhecido como São Cristóvão, irá favorecer o crescimento urbano para o norte, na região que passaria a ser identificada como Cidade Nova. A rainha, que gostava de ficar longe do marido, construiu uma casa na praia de Botafogo, ao sul, o que iria se constituir num atrativo para outros fidalgos que passaram a ocupar a região, caracterizada a partir de então pelas suas chácaras. A presença da corte iria transformar radicalmente o espaço e os modos de vida do Rio de Janeiro. Era necessário civilizar a nova capital, enquanto por outro lado a corte passa a ser contaminada por hábitos locais. Para abrigar as instituições do governo, foram edificados e adaptados diversos prédios na cidade. A Real Fábrica da Pólvora se instalou num engenho de açúcar, localizado num distante arrabalde, às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas. Encantado com a natureza do lugar, o príncipe regente iniciou o Real Horto, com a introdução de plantas provenientes das Ilhas Maurício, entre elas a palma mater. As ruínas da inacabada Sé Nova, no Largo de São Francisco de Paula, foram aproveitadas para a construção da Academia Militar. No Campo de Santana instalaram‐se o Museu Real, a Intendência Geral da Polícia, o Quartel da Infantaria e as obras da casa do Senado da Câmara. Para promover melhoramentos urbanos foi instituída, em 1808, do mesmo modo que em Lisboa, a Intendência Geral da Polícia. Uma das medidas mais famosas da Intendência foi a proibição, a partir de 11 de junho de 1809, de gelosias e muxarabis (treliçados de madeira de origem árabe) nas janelas e portas das casas. Considerada uma solução arcaica, de tradição medieval e árabe, "góticos costumes" segundo o padre Perereca, seu uso, para os europeus do século XIX, conferia à cidade um aspecto exótico e oriental. Os proprietários teriam um prazo máximo de oito dias para retirá‐las, substituindo‐as por vidraças e balcões de ferro. Apesar da grande adesão ao novo modismo, o cumprimento não foi tão imediato, e gelosias e muxarabis ainda aparecem em desenhos de Debret e Ender feitos quase uma década depois. No início do século XIX a cidade está prevalentemente edificada com casas térreas. Para conferir o aspecto de corte, foram então criados incentivos, como o de 1811, que concedia isenção de impostos para os que edificassem sobrados na chamada Cidade Nova, isto é, a região além do Campo da cidade que começava a ser ocupada pelo novo afluxo de habitantes, ou a curiosa resolução de 1817 que obrigava proprietários de terrenos vagos a substituir muros por fachadas térreas, ainda que de madeira, com portas e janelas que podiam conservar‐se fechadas, e a conclusão do edifício adiada por tempo indeterminado. Se não era possível em tão pouco tempo criar uma cidade‐corte, que ao menos se construísse o cenário dela. A presença de estrangeiros, principalmente ingleses, mudou o cenário da cidade. Em 1809 foi comprada uma chácara nas encostas do Morro da Providência para a construção do Cemitério dos Ingleses, autorizada por D. João no ano anterior. A posição do cemitério, junto ao mar na praia do Saco da Gamboa, permitia o desembarque direto dos ingleses que morriam a bordo. O cemitério anglicano, por se situar num arrabalde, não foi objeto de nenhuma determinação específica quanto à sua construção; já a Christ Church, primeiro templo protestante da cidade, foi erigida como uma residência, na antiga Rua dos Barbonos, próximo ao Largo da Ajuda, em 1819, de acordo com o tratado de comércio que permitia aos ingleses construírem igrejas, desde que se assemelhassem a moradias e não tivessem sinos. O conde da Barca, ministro de D. João, será o responsável pelo desembarque no Rio de Janeiro, em 1816, de uma missão artística francesa. O aparato da corte introduziu outras vivências da cidade, além de novas relações com o urbano, marcadas pelas festas reais, com sua arquitetura efémera. Três áreas catalisavam a vida e a sociabilidade urbanas. O Largo do Paço e a Rua Direita eram as portas de entrada, centro das festas e do ritual da corte. O Rocio Pequeno, com a construção do Real Teatro, tornou‐se o local de diversão das elites. O Campo de Santana abrigava, por sua vez, a diversão popular, com a construção periódica de campos de curro. O Campo fora, ao longo do século XVIII, a boca do sertão, imenso espaço livre, repleto de brejos e pântanos. Nele - e não nas muralhas, sempre projetadas, nunca executadas - campo e cidade faziam fronteira. Através dele, e de sua urbanização no início do século XIX, teve lugar o inevitável crescimento da cidade.

Arquitetura religiosa

Arquitetura militar

Equipamentos e infraestruturas

Habitação

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